São Paulo, domingo, 13 de agosto de 2006

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Ronaldinho, 3 meses, não terá lembrança do pai assassinado

DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Ronaldo Gabriel, três meses e meio, nunca vai se lembrar do pai. Nem do seu rosto ou da sua voz. Tinha 20 dias quando São Paulo vivia uma guerra, iniciada pelos ataques do PCC à polícia. Era 15 de maio e ainda estava claro quando seu pai, Lindomar Lino da Silva, 29, voltava para casa em São Mateus, zona leste da cidade. No meio do caminho, foi atingido por tiros, supostamente disparados por policiais que naquela tarde começaram a reagir aos ataques.
Morreu com uma bala nas costas e duas na cabeça. Não pôde nem realizar o desejo de assistir à Copa do Mundo com o filho nos braços. Fanático por Ronaldinho, deu o nome do ídolo gaúcho ao bebê, mesmo com a mulher Maria Dinauci de Lima, 23, sendo contra. Pai de uma menina de um ano e dez meses, Lindomar era louco para ter um filho homem. "No dia em que o Ronaldo nasceu, saiu pela rua mostrando o bebê para todo mundo", lembra Dinauci.
Paizão daqueles que têm dois empregos (ele trabalhava de dia como cabeleireiro e à noite em uma lanchonete) e chega em casa com disposição para rolar pelo tapete com as crianças. "Não importava a hora, quando ele entrava, pegava a Samantha e brincava com ela sem parar. Era difícil separar os dois, eles passavam horas dando risada", conta a viúva. O grude era tanto que Dinauci teve de se mudar de casa e esconder as fotos do marido porque a menina perguntava pelo pai a todo instante. "Ela não entende o que aconteceu e não quero que sofra ainda mais."
Quando os filhos crescerem, diz, vai tentar explicar o que aconteceu com o marido. "Vai ser difícil explicar porque ele morreu sem motivo. Era honesto, foi uma vítima inocente dessa guerra." Dinauci não gosta de falar no assunto, mas suspeita que o marido tenha sido assassinado por policiais.
Os vizinhos do casal também acreditam que os atiradores estavam nas garupas de duas motos, que eram acompanhadas por um carro da PM. Naquela tarde do dia 15, a cidade toda tinha parado e a maioria dos trabalhadores voltava para casa mais cedo. Lindomar era um deles. O caso agora está na Ouvidoria da Polícia, que instaurou um processo para apurar de quem é a culpa pelo crime.
Dinauci segue a vida sem nenhuma ajuda do Estado e tenta criar os filhos. Para trabalhar como assistente de padeiro e ganhar R$ 400 no fim do mês, a viúva paga três crianças da vizinhança para olharem os filhos. "Não consegui nem vaga na creche." Do salão que o marido tinha, recebe apenas R$ 100. "Pago aluguel, água, luz, comida e o pessoal para tomar conta das crianças."
Vindo de Solonópole, no sertão cearense, há dez anos, o casal queria prosperar na cidade grande. Levava uma vida simples, mas não passava necessidade e não deixava de comemorar datas especiais. "Não quero nem lembrar do Dia dos Pais. É muito triste saber que meus filhos vão crescer sem um."


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