São Paulo, domingo, 13 de dezembro de 2009

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GILBERTO DIMENSTEIN

A invenção do carro puxado a cavalo


Não é à toa que o computador em sala de aula não está relacionado à melhoria do desempenho dos alunos


IMAGINE um carro puxado a cavalo, como se fosse uma charrete. Se você visse essa cena na rua, logo pensaria que se trata de uma brincadeira, ainda mais se o inventor se apresentasse como um inovador. Mas é o que vem sendo feito com o dinheiro público, quando se investiga como são usados os computadores, revelando mais um daqueles típicos desperdícios nacionais -graves nas escolas privadas, mais trágicos nas redes públicas.
Todas as escolas públicas (para ser preciso, 98%) das principais capitais brasileiras têm computadores, quase todos conectados à internet. A imensa maioria dos professores (74%) usa o computador para apenas digitar e editar um texto. Não faria muita diferença se ainda tivessem apenas uma máquina de escrever, desaparecida há muito tempo das lojas, hoje disponível apenas nos antiquários.
Realizada pela Fundação Victor Civita, em parceria com Ibope e USP, essa pesquisa, divulgada na semana passada, é especialmente grave em comparação com os dados divulgados, na última sexta-feira, sobre os hábitos dos brasileiros diante da internet. Cada vez mais rapidamente, a escola vai ficando atrasada, correndo o risco de ser vista como uma peça de museu -assim como uma máquina de escrever.

 

Já escrevi aqui que o Brasil não está atento ao imenso potencial das lan houses, onde, de fato, o pobre tem acesso à internet. Um pequeno investimento poderia transformar esses locais em centros culturais e tecnológicos, com um custo muitíssimo menor do que colocar banda larga em cada casa.
O IBGE divulgou, na sexta-feira, que o brasileiro entra na internet dos seguintes locais: em casa (57%); nas lan houses (35%); e, em terceiro lugar, no trabalho (31%). Se formos contar apenas os jovens, a lan house está, em disparada, no primeiro lugar; e ainda mais em disparada se consideramos os jovens mais pobres.

 

Daí se pode estimar o que sente um jovem que, sabendo lidar com a internet, mergulhado nos sedutores jogos e fazendo contatos virtuais, chega à escola e se depara com um professor que usa (quando usa) o computador como uma máquina de escrever e mal consegue descobrir conteúdos na rede -e, portanto, não sabe como aplicá-los em sala de aula.
Por causa das redes de contatos, o jovem desenvolve não só a habilidade de comunicação virtual, mas a noção de construção de conhecimentos em colaboração -83% das pessoas, em 2008, usaram a internet para entrar em contato com outras pessoas. Em 2005, de novo segundo o IBGE, o principal motivo era aprender. Não havia ainda a prática do Orkut e MSN, até porque quase não havia banda larga.

 

Para quem acredita que os melhores lugares para aprender não são necessariamente apenas os que têm as melhores escolas, mas também aqueles onde se tem a chance de entrar em comunidades de aprendizagem, transformar espaços como lan houses significa também escolarizar a sociedade.
Daí se entende o extraordinário sucesso de uma experiência, nascida nos Estados Unidos, que se espalha pelo mundo e, agora, pelo Brasil: TED (Tecnologia, Entretenimento, Design). São encontros informais, nada a ver com a pompa acadêmica, em que gente inovadora, cada qual com direito a falar por apenas 15 minutos, é chamada para compartilhar suas ideias, com transmissão em tempo real.
O fundamento básico é o de que, na era da informação, é assim que se constrói conhecimento -é como se houvesse, em todos os lugares, uma sala de aula. Um projeto inovador no interior da Índia consegue, assim, chegar a todos os cantos. Um encontro desse projeto ocorreu, na quinta-feira passada, num pequeno teatro em São Paulo e buscava discutir capital humano e redes sociais estava lotado e silencioso.

 

Desprezar as possibilidades desses espaços, a começar de uma lan house, é tentar inventar um carro movido a cavalo e se sentir inovador. Não é à toa que, segundo dados oficiais, o computador em sala de aula não está relacionado à melhoria do desempenho dos alunos.

 

PS - A pesquisa da Fundação Victor Civita revela, entretanto, que nas escolas públicas em que o professor sabe usar as redes de comunicação, produzindo aulas mais interessantes, os resultados aparecem.

gdimen@uol.com.br


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