São Paulo, domingo, 14 de março de 2010

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GILBERTO DIMENSTEIN

Convergências para o futuro


A sociedade do futuro é aquela em que vamos aprender em qualquer lugar e com qualquer pessoa


É POSSÍVEL que Philippe Bertrand seja um dos personagens mais exóticos da publicidade brasileira -uma atividade em que, verdade seja dita, não faltam indivíduos exóticos. Seguidor do guru indiano Naga Babas, cuja seita prega que se medite pelado na natureza em busca da iluminação, ele já chegou a morar numa árvore sagrada em Goa, onde foi aprender magia.
Em janeiro passado, ele participou de uma festividade no rio Ganges à procura do "néctar da imortalidade" -a festa ocorre a cada 12 anos e reúne gurus em escala planetária.
Ele aproveitou para colocar seu guru na internet, chamado para responder a perguntas pelo Twitter. "Pensei num projeto de convergência espiritual-digital", orgulha-se. "Não queria guardar só para mim essa experiência." O personagem é singular, mas o que mais interessa nessa história é o novo padrão do ensino e do trabalho -e, no final, a nova forma de ganhar dinheiro.

 


Conheci Bertrand, ex-aluno da ESPM, durante um encontro realizado na DM9, quando assisti a uma exposição sobre seu novo programa de treinamento. Um dos pontos era que os funcionários seriam convidados a compartilhar com o público sua experiência.
Não havia ali nada de espiritualizado -os únicos sinais eram as ofertas gratuitas, também no horário de trabalho, de ioga e massagem. O presidente da empresa, Sérgio Valente, deixou claro que, com esse tipo de ação, queria obter mais contas e prêmios. "Preciso que vocês não parem de aprender", pedia.
Quanto mais uma empresa almeja liderança, mais tem de saber tirar proveito das ideias de tipos como Philippe, capazes de fazer as mais diversas convergências -esse é um consenso entre as pessoas do universo corporativo.

 


A vida de Ruy Shiozawa é selecionar os melhores lugares para trabalhar no Brasil -ele é presidente do Great Place to Work, instituto que realiza a mundialmente conhecida lista, publicada pela imprensa, das empresas que se destacam pela valorização dos funcionários. "As empresas de sucesso são polos de inovação. Portanto, cada vez mais, elas se assemelham a um misto de universidade com centro de pesquisa."
A Ambev seleciona um grupo de seus executivos mais promissores -todos com potencial para virarem sócios. Durante uma semana por mês, passam oito horas por dia estudando e ainda são obrigados a manter as metas de seu departamento. A Caterpillar tem uma TV corporativa, que oferece cursos 24 horas por dia, aos quais se pode assistir durante o expediente ou depois. Lá, eles criaram um projeto para ajudar os pais na educação dos filhos.

 


O Google patrocinou, nos EUA, uma faculdade destinada a preparar profissionais para o momento em que a inteligência humana ficar abaixo da inteligência artificial; alguns de seus cursos começam, neste ano, a ser ministrados em São Paulo.
Na IBM, os funcionários podem escolher colegas da empresa de qualquer parte do mundo para que atuem como seus mentores. Para ensinar a diversidade, funcionários têm a possibilidade de viver em outros países desenvolvendo projetos comunitários.
O laboratório Fleury criou um sistema de formação que, em certos programas, se parece com um pós-doutorado -os empregados são estimulados a fazer trabalhos similares a dissertações ou teses acadêmicas.

 


A competição do mercado colocou o treinamento e, assim, os especialistas em recursos humanos no centro das estratégias empresariais. O que se vê é uma distância cada vez maior do setor público -e olhe que, em muitos lugares, já houve monumentais avanços, com o estabelecimento de metas e o pagamento proporcional à produtividade.
Mas essa é uma mentalidade que ainda deve demorar muito para se enraizar no setor público e nos sindicatos. Basta lembrar que o sindicato dos professores de São Paulo decretou greve reivindicando, entre outras coisas, o fim de uma série de medidas que premiam o mérito. Pediu-se até mesmo o fim das normas que tentam reduzir o absenteísmo. Esse é um magnífico exemplo de convergência para o passado.

 


A sociedade do futuro é aquela em que vamos aprender a qualquer hora, em qualquer lugar e com qualquer pessoa. Há uma convergência cotidiana entre saber e fazer. Abrem-se aí as mais incríveis possibilidades, a tal ponto que o exotismo de um Philippe, que, na vida privada, passa dias nu num recanto da Índia, vai ser respeitado por sua diversidade, o que, para as empresas, pode significar produtividade.

 


PS - Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) mais detalhes de corporações que investem em treinamento, segundo o instituto Great Place to Work. Está lá também o projeto Campus 9, da DM9.

gdimen@uol.com.br


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