São Paulo, sábado, 14 de junho de 2008

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Ao menos 21 militares foram processados por pederastia nos últimos dez anos

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

"Ele me vestiu e mandou que fosse dormir no alojamento dos soldados. Mandou ainda que eu não dissesse nada pra ninguém." A declaração, de um soldado sobre um capitão do Exército do Amazonas, consta de um processo da Justiça Militar pelo crime de "pederastia" em dependências militares.
Levantamento feito pela Folha nos casos que chegaram ao Superior Tribunal Militar mostra que ao menos 21 homens militares foram processados por fazerem sexo homossexual em dependências das Forças Armadas nos últimos dez anos.
O número pode ser maior, porque não foram considerados os casos que passaram apenas por instâncias inferiores da Justiça Militar.
O crime de "pederastia" ou "outro ato de libidinagem" em dependências militares consta do artigo 235 do Código Penal Militar, de 1969. Ele caracteriza o crime como "praticar, ou permitir o militar que com ele [militar] se pratique, ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar". A pena prevista é de seis meses a um ano de detenção.
A maior parte dos processos vistos pela reportagem cita apenas a palavra "pederastia" do artigo da lei, sem falar em "ato de libidinagem".
Em alguns deles, há descrições detalhadas dos atos sexuais praticados em alojamentos, piscinas de dependências militares e quartéis. "No areal, o capitão segurou no meu braço, começou a me alisar na altura do ombro, ao mesmo tempo que dizia que estava a fim de mim", diz um relato. As sentenças às vezes também citam que alguns militares de baixa patente se sentiram coagidos a se relacionarem com seus superiores por causa da hierarquia.
Uma decisão sobre o caso da Amazônia cita que "os soldados nunca agiram de livre vontade, eram sempre persuadidos e atuavam com temor reverencial, sem a necessária maturidade e determinação para repelir o seu superior".
Em um caso julgado em 1998, no Rio de Janeiro, o STM contrariou uma decisão de instância inferior, em que a juíza dizia que as práticas sexuais entre os militares citados "se situam em um campo reservado às convicções íntimas e à consciência individual", ainda que elas "possam se desviar de uma concepção moral dominante quanto à sexualidade".
A decisão do STM sobre esse caso cita a exposição de motivos do Código Penal Militar a respeito do artigo que pune pederastia ou outro ato de libidinagem. "É a maneira de tornar mais severa a repressão contra o mal, onde os regulamentos disciplinares se revelaram insuficientes", diz um trecho.
Para a procuradora-geral da Justiça Militar, Cláudia Márcia Ramalho Moreira Luz, "o termo pederastia, além de pejorativo, é inadequado". Ela ressalta, entretanto, que o artigo só pode ser alterado mediante mudança na lei. A procuradora foi indicada pelo Exército para falar sobre o tema. A instituição não quis se pronunciar.
Dois projetos de mudança do artigo 235 tramitam na Câmara desde 2000. O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) e militar da reserva, no entanto, diz não ver preconceito no artigo. Ele afirma, porém, que, quando participava da seleção de recrutas, cortava quem era "delicado", porque o militar, diz, precisa ter "virilidade". (AP e JN)

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