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Ao menos 21 militares foram processados por pederastia nos últimos dez anos
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
"Ele me vestiu e mandou que
fosse dormir no alojamento dos
soldados. Mandou ainda que eu
não dissesse nada pra ninguém." A declaração, de um soldado sobre um capitão do Exército do Amazonas, consta de
um processo da Justiça Militar
pelo crime de "pederastia" em
dependências militares.
Levantamento feito pela Folha nos casos que chegaram ao
Superior Tribunal Militar mostra que ao menos 21 homens
militares foram processados
por fazerem sexo homossexual
em dependências das Forças
Armadas nos últimos dez anos.
O número pode ser maior,
porque não foram considerados os casos que passaram apenas por instâncias inferiores da
Justiça Militar.
O crime de "pederastia" ou
"outro ato de libidinagem" em
dependências militares consta
do artigo 235 do Código Penal
Militar, de 1969. Ele caracteriza
o crime como "praticar, ou permitir o militar que com ele [militar] se pratique, ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar". A pena prevista é de seis
meses a um ano de detenção.
A maior parte dos processos
vistos pela reportagem cita
apenas a palavra "pederastia"
do artigo da lei, sem falar em
"ato de libidinagem".
Em alguns deles, há descrições detalhadas dos atos sexuais praticados em alojamentos, piscinas de dependências
militares e quartéis. "No areal,
o capitão segurou no meu braço, começou a me alisar na altura do ombro, ao mesmo tempo
que dizia que estava a fim de
mim", diz um relato. As sentenças às vezes também citam que
alguns militares de baixa patente se sentiram coagidos a se
relacionarem com seus superiores por causa da hierarquia.
Uma decisão sobre o caso da
Amazônia cita que "os soldados
nunca agiram de livre vontade,
eram sempre persuadidos e
atuavam com temor reverencial, sem a necessária maturidade e determinação para repelir o seu superior".
Em um caso julgado em 1998,
no Rio de Janeiro, o STM contrariou uma decisão de instância inferior, em que a juíza dizia
que as práticas sexuais entre os
militares citados "se situam em
um campo reservado às convicções íntimas e à consciência individual", ainda que elas "possam se desviar de uma concepção moral dominante quanto à
sexualidade".
A decisão do STM sobre esse
caso cita a exposição de motivos do Código Penal Militar a
respeito do artigo que pune pederastia ou outro ato de libidinagem. "É a maneira de tornar
mais severa a repressão contra
o mal, onde os regulamentos
disciplinares se revelaram insuficientes", diz um trecho.
Para a procuradora-geral da
Justiça Militar, Cláudia Márcia
Ramalho Moreira Luz, "o termo pederastia, além de pejorativo, é inadequado". Ela ressalta, entretanto, que o artigo só
pode ser alterado mediante
mudança na lei. A procuradora
foi indicada pelo Exército para
falar sobre o tema. A instituição
não quis se pronunciar.
Dois projetos de mudança do
artigo 235 tramitam na Câmara
desde 2000. O deputado Jair
Bolsonaro (PP-RJ) e militar da
reserva, no entanto, diz não ver
preconceito no artigo. Ele afirma, porém, que, quando participava da seleção de recrutas,
cortava quem era "delicado",
porque o militar, diz, precisa
ter "virilidade".
(AP e JN)
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