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URBANIDADE
Do Brás para o mundo
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
O embaixador Rubens
Ricupero, de 67 anos, enfrenta um prosaico dilema habitacional. A poucos meses de deixar a Secretaria Geral da Unctad,
em Genebra, ainda não tem idéia
de onde morar em São Paulo. Ele
vive um problema imobiliário
com uma pitada emocional.
Mudar de casa deveria ser algo
corriqueiro, quase automático,
para quem nas últimas quatro
décadas se transformou num andarilho internacional e viveu em
cidades dos mais diferentes costumes. Desta vez, porém, a situação
é diferente -a ponto de fazê-lo
citar o poeta americano T. S.
Eliot: "Meu começo está no fim /
meu fim está no começo".
Quando, há 45 anos, Ricupero
deixou o Brás, bairro onde nasceu e foi criado, São Paulo tinha
pouco mais de 60 mil veículos;
hoje conta com quase 6 milhões
deles. "Saí do Brás diretamente
para o mundo", brinca. Do ponto
de vista emocional, ele nunca se
separou do bairro, que o encantou, nos seus tempos de menino,
com as festas e procissões em italiano. "Como morava grudado a
uma cantina, os cheiros de comida faziam parte da paisagem."
Mesmo morando longe, manteve-se na associação que, anualmente, promove a festa de São
Vito. Ainda hoje está de pé a escola pública (Romão Puiggari) em
que, além dos filhos de italianos e
de espanhóis, estudavam meninos e meninas ciganos. "Muitos
deles caíram na delinqüência e
morreram."
Agora, aos 67 anos, Ricupero
sabe que São Paulo não é mais
passagem, mas a chegada. Aposentou o andarilho, mas o Brás,
tão perto geograficamente, ficou
tão distante como seus tempos de
juventude, quando brincava na
rua com meninos que mal falavam o português -e quando os
italianos pobres admiravam um
ladrão pela sua elegância ao entrar nas casas despercebido.
No recomeço, ele ainda não sabe onde vai morar, mas já tem
idéia de como ocupar seu tempo.
Vai dar aulas sobre relações internacionais na Universidade de
São Paulo e pretende dedicar-se
mais ao estudo da poesia. "É a
minha paixão."
A paixão pela literatura talvez
o coloque, de novo, em contato
com a juventude excluída que viu
entre os filhos de imigrantes no
Brás. Ele descobriu um projeto,
chamado Círculo de Leitura, que
ensina, em escolas da periferia,
autores clássicos. "Não acreditei
quando vi aqueles meninos analisando, embevecidos, as obras de
Platão e de Shakespeare."
Está decidido a pisar na periferia e a mostrar os encantos da
poesia para esses jovens. Gostaria
de iniciar justamente por Eliot,
um de seus poetas favoritos -o
fim, nesse caso, transforma-se
mesmo em começo.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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