São Paulo, segunda-feira, 14 de julho de 2008

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Na favela Pé Sujo, achar um barraco pelo número é missão quase impossível

RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL

Achar um barraco específico no Pé Sujo é missão que beira o impossível. Ter o endereço em mãos não adianta muito nessa favela da zona leste de São Paulo espremida entre o rio Tietê, um conjunto habitacional, um hipermercado, um viaduto e a linha do trem.
A única rua reconhecida pelos Correios, a Nicolas Jardim, acaba na entrada da favela. A partir dali, incontáveis vielas se ramificam. Quem vive naquele labirinto, não importa a viela, dá como endereço de casa a mesma Nicolas Jardim.
Cada morador pintou na porta de seu barraco -são 3.000- o número que bem entendeu. Não há lógica. Os números estão embaralhados, muitos são repetidos.
"Várias vezes o caminhão das Casas Bahia bateu lá em casa para entregar sofá que não era meu, que era de alguém lá do meio da favela que tinha o mesmo número", conta o mecânico Moacir Sanches, 52, que mora nos poucos metros reconhecidos da rua Nicolas Jardim.
E houve casos mais graves. Após denúncia anônima, policiais derrubaram a porta do barraco 85 à procura do suposto cativeiro de uma pessoa seqüestrada. A velhinha que morava no casebre não entendeu nada. Os oficiais haviam invadido o 85 errado.
Como os carteiros não entram no Pé Sujo, toda a correspondência é deixada na entrada da favela. Há quatro anos, as cartas são levadas para o Bar do Zé do Gás, um estabelecimento escuro que também faz as vezes de padaria e açougue. Os envelopes ficam dentro de uma caixa de papelão, sobre uma mesa amarela enferrujada.
O bar vive cheio. Há sempre alguém revirando as dezenas de cartas. A correspondência esperada, porém, nem sempre é encontrada. "Nunca chegou à minha mão o cartão do Bolsa Família que a minha mãe me mandou lá do Norte", queixa-se a dona-de-casa Rosicleide da Silva, 28. "Só podem ter pegado. Tem gente que não tem consciência."
O líder comunitário Reginaldo Belarmino, o Alemão, 40, tentou convencer a prefeitura a dar nomes às vielas e pôr ordem nos números -a favela contrataria seus próprios carteiros. Em vão. A prefeitura respondeu que não pode legitimar uma ocupação irregular.
Agora o líder comunitário tenta mudar o nome da favela para Jardim América Penha. "Imagina a criança que cresce dizendo que mora no Pé Sujo? Isso não é nome."


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