UOL


São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GILBERTO DIMENSTEIN

Por que a goleada de Lula é um engano

Enquanto São Paulo vai perdendo espaço na produção de riqueza, Brasília assegura, folgadamente, a condição de campeão nacional de renda per capita -R$ 15.725, um terço a mais do que a renda dos paulistas e dos fluminenses.
Divulgado na quinta-feira pelo IBGE, esse contraste entre uma região que produz e empobrece, sitiada pelo desemprego e pela violência, com Brasília, que não produz riquezas materiais e enriquece, ajuda a entender por que é tão difícil -e continuará sendo difícil por muito tempo- reduzir significativamente a miséria brasileira. Isso é muito maior do que a vontade sincera do presidente Lula, que, na sexta-feira, anunciou: "É hora de golear".
Em termos sociais, estamos perdendo. Talvez, quem sabe, no próximo ano, façamos um gol para empatar. A goleada é, por enquanto, só a versão futebolística do "espetáculo do crescimento".
A impossibilidade da goleada está justamente no inquietante contraste entre Brasília e São Paulo.
Entre as explicações apresentadas pelos técnicos do IBGE para justificar a notável desenvoltura da renda brasiliense, onde a única indústria que impera é a indústria de produção de cortesãos, atribui-se especial peso às aposentadorias oficiais -o Distrito Federal, como todos sabem, concentra funcionários públicos, a maioria dos quais, graças a brechas legais, ganha mais dinheiro sem fazer nada do que quando estava na ativa.
São Paulo, como o resto do Brasil, perde força, entre outros motivos, porque o mundo oficial oferece a seus aposentados e funcionários um rendimento acima do padrão nacional. Parece uma relação distante, abstrata, mas não é. É fácil entendê-la.
Para custear a máquina pública, os brasileiros drenam para seus governantes cerca de 40% de tudo o que produzem -parte dos buracos das contas públicas são provocados pelas aposentadorias públicas em todo o país. Se uma nação estrangeira nos dominasse, cobrando tantos impostos e dando tão pouco em troca, já teríamos declarado a independência.
Entre as principais causas do baixo crescimento da economia brasileira, que se refletem diretamente em São Paulo, seu centro nervoso, estão os altos impostos altos e os juros estratosféricos. É uma combinação devastadora para quem deseja trabalhar honestamente.
Juros são altos, entre outras razões, porque o poder público gasta muito -e gasta mal.
É difícil, nessa circunstância, tirar ainda mais dinheiro da sociedade para financiar programas de combate à miséria -a começar do fato de que, com baixo crescimento, a geração de empregos também é baixa.
As análises sociais mais relevantes que tenho visto vêm de um grupo de economistas corajosos que resolveu colocar os números no papel e mostrar como gastamos mal os recursos que poderiam estar servindo para diminuir a pobreza.
Em artigo publicado nesta semana na Folha (que, aliás, deveria estar emoldurado nas paredes das casas dos homens públicos), José Márcio Camargo demonstra, com números, como o Estado reforça a desigualdade brasileira. A conta é de uma simplicidade extraordinária: os gastos sociais do governo federal chegam a 15,5%. Desse total, 65% vão para aposentadorias. Do que se despende com educação, 75% são drenados pelas universidades, mais frequentadas pelos mais ricos.
Vejo acadêmicos que se dizem de esquerda condenando os que, a partir desses dados, defendem que se focalizem mais os recursos nos mais pobres. Embora se apresentem como defensores dos vulneráveis, atacando os monstros neoliberais, muitos desses acadêmicos, gostem ou não, fazem parte do grupo de brasileiros que recebe aposentadorias especiais -logo fazem parte da elite que se apropria dos recursos sociais.
O que se vê, pelos números, é que se gasta muito mais com os aposentados do que com as crianças. Um relatório do Unicef, divulgado na quinta-feira, revela que a maioria das crianças e dos adolescentes vive em famílias pobres. Precisariam, para começar, de creches.
De onde vão tirar o dinheiro para melhorar a educação? Sugando mais de empresários e da classe média? Comprometendo a estabilidade financeira e fabricando inflação?
Meu receio é que a bomba social tenha de explodir a partir das rebeliões de desempregados - especialmente dos jovens- para que o Brasil saiba respeitar, de fato, quem produz, e não quem vive à custa do poder.

PS - Por falar em contas simples, na semana passada, uma pesquisa mostrou que 70% dos brasileiros acham que o desemprego está igual ou pior do que no ano passado. O prestígio de Lula, que se elegeu prometendo diminuir o desemprego, continua bem. Quanto tempo mais tem o presidente de prestígio em alta e emprego em baixa?

E-mail - gdimen@uol.com.br


Texto Anterior: Uma relação espacial com SP
Próximo Texto: Vida de celebridade: Famosos atraem flashes e enfrentam micos com "fãs"
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.