São Paulo, segunda-feira, 15 de janeiro de 2001

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RIO
Em um ano, a Secretaria de Justiça registrou crescimento de 15% nos atendimentos de menores envolvidas com o comércio de drogas
Aumenta cooptação de meninas pelo tráfico

FERNANDA DA ESCÓSSIA
SABRINA PETRY


DA SUCURSAL DO RIO

M., 14, está internada há dois meses no Educandário Santos Dumont, na Ilha do Governador (zona norte do Rio), cumprindo medida socioeducativa por tráfico de drogas. Ela começou a vender drogas há dois anos "por causa do dinheiro".
A adolescente, que tem um filho de 1 mês, parou de estudar na quarta série, entrou para o tráfico, ganhando R$ 50 por semana, e passou a utilizar armas.
Raridade há alguns anos, a história de M. é cada vez mais frequente: como ela, garotas do Rio de Janeiro estão trocando o papel de "namoradas do tráfico" pelo de participantes ativas na venda de drogas em morros e favelas.
Só de 1999 para 2000, houve um aumento de 15% no número absoluto de adolescentes do sexo feminino atendidas na Secretaria de Justiça do Estado acusadas de tráfico de drogas. Em 1999, o tráfico representou 34% do total de infrações cometidas por garotas. No ano passado, até o início de dezembro, representou 32%.
No morro do Cantagalo, em Ipanema (zona sul), as meninas representam 70% dos menores atendidos pelo projeto estadual Vida Nova, que tenta recuperar jovens envolvidos com o tráfico.
Mesmo com a crescente participação das meninas, o tráfico de drogas ainda é uma atividade "de homem", especialmente em "cargos" de comando.
Em média, para cada adolescente atendida sob acusação de tráfico de drogas no Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas da Secretaria de Justiça), há 10,3 meninos. Entre os menores acusados apenas de tráfico, a relação é similar: 1 para 9.
As garotas estão sendo incorporadas em papéis auxiliares, como o de vapor, que vende drogas diretamente nas bocas-de-fumo. As mais novas e inexperientes trabalham como fogueteiras (a quem cabe avisar, soltando rojões, quando a polícia se aproxima).
Apesar de os postos mais altos na hierarquia do tráfico serem quase uma exclusividade dos homens, uma das maiores favelas da zona norte do Rio tem como gerente uma adolescente.
"Lá na boca, hoje em dia, tem muita garota. As meninas trabalham como os meninos. Elas usam armas e vendem drogas do mesmo jeito que eles", diz F., 17, presa há três meses por tráfico.
F. entrou para o tráfico aos 12 anos, influenciada por um tio. Ela havia fugido de casa alguns meses antes, depois que o padrasto tentou estuprá-la. Ela foi morar, então, com o namorado traficante, morto semanas depois em confronto com a polícia. Com a morte, F. teve de deixar a favela onde morava, ameaçada por policiais.
A adolescente já foi detida oito vezes -duas por assalto a mão armada e seis por tráfico de drogas. Para tentar se diferenciar das outras 48 meninas do Educandário Santos Dumont, todas uniformizadas com bermudas azuis e camisetas brancas, usa trancinhas com enfeites coloridos no cabelo.
"Quase todas as minhas amigas trabalham para o tráfico. Elas querem ser como os meninos", diz outra interna da instituição, A., 18, que tem um filho de 1 ano.
Ela explica que começou a vender drogas por causa do dinheiro. "Ganhava entre R$ 100 e R$ 200 por semana." O dinheiro era usado para comprar roupas e comida para o bebê e drogas para ela.
Questionada a respeito da reação da família sobre seu envolvimento com o tráfico, ela respondeu: "Todo mundo achou normal. Todos os meus parentes estão envolvidos com o tráfico".
Cerca de 70% das meninas internadas na instituição estão lá por envolvimento com o tráfico, e a maioria já foi presa mais de uma vez. A rotina no educandário é bem diferente da vida no tráfico. Elas tomam quatro banhos por dia e fazem cinco refeições diárias. Quando não estão estudando, têm aulas de dança, corte e costura e artesanato.
Especialista em pesquisas com jovens, a antropóloga Regina Novaes diz que, apesar desse papel ainda "menor", entrar no tráfico é, para as meninas, uma forma de reagir à opressão imposta pelos rapazes traficantes.
É comum que, em favelas, os traficantes tenham várias esposas, conquistadas à força bruta ou seduzidas pelo poder do tráfico.
Ela conta que, em entrevistas feitas em 1999 com jovens, uma pergunta sobre perspectiva de vida gerou uma resposta até então inédita entre as garotas: "Quero ser dona do morro".
Para alguns especialistas, o aumento das infrações cometidas por garotas viria como reflexo da maior participação de menores em atividades ilegais.
Pesquisa do Centro Latino-Americano de Estudos da Violência, da Fundação Oswaldo Cruz, mostra que, de 95 a 98, a criminalidade cresceu mais entre menores do que entre adultos.
Na comparação por 100 mil habitantes, o crescimento nas taxas de infrações entre meninas foi de 170%; entre os meninos, de 122%, e entre adultos de ambos os sexos, de 40%. A chamada "juvenilização" do crime é uma espécie de reflexo indireto do Estatuto da Criança e do Adolescente, que, ao impor sanções mais leves a menores de 18 anos, fez deles exército preferencial do crime.



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