|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RIO
Em um ano, a Secretaria de Justiça registrou crescimento de 15% nos atendimentos de menores envolvidas com o comércio de drogas
Aumenta cooptação de meninas pelo tráfico
FERNANDA DA ESCÓSSIA
SABRINA PETRY
DA SUCURSAL DO RIO
M., 14, está internada há dois
meses no Educandário Santos
Dumont, na Ilha do Governador
(zona norte do Rio), cumprindo
medida socioeducativa por tráfico de drogas. Ela começou a vender drogas há dois anos "por causa do dinheiro".
A adolescente, que tem um filho
de 1 mês, parou de estudar na
quarta série, entrou para o tráfico,
ganhando R$ 50 por semana, e
passou a utilizar armas.
Raridade há alguns anos, a história de M. é cada vez mais frequente: como ela, garotas do Rio
de Janeiro estão trocando o papel
de "namoradas do tráfico" pelo
de participantes ativas na venda
de drogas em morros e favelas.
Só de 1999 para 2000, houve um
aumento de 15% no número absoluto de adolescentes do sexo feminino atendidas na Secretaria de
Justiça do Estado acusadas de tráfico de drogas. Em 1999, o tráfico
representou 34% do total de infrações cometidas por garotas. No
ano passado, até o início de dezembro, representou 32%.
No morro do Cantagalo, em
Ipanema (zona sul), as meninas
representam 70% dos menores
atendidos pelo projeto estadual
Vida Nova, que tenta recuperar
jovens envolvidos com o tráfico.
Mesmo com a crescente participação das meninas, o tráfico de
drogas ainda é uma atividade "de
homem", especialmente em "cargos" de comando.
Em média, para cada adolescente atendida sob acusação de tráfico de drogas no Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas da Secretaria de Justiça),
há 10,3 meninos. Entre os menores acusados apenas de tráfico, a
relação é similar: 1 para 9.
As garotas estão sendo incorporadas em papéis auxiliares, como
o de vapor, que vende drogas diretamente nas bocas-de-fumo. As
mais novas e inexperientes trabalham como fogueteiras (a quem
cabe avisar, soltando rojões,
quando a polícia se aproxima).
Apesar de os postos mais altos
na hierarquia do tráfico serem
quase uma exclusividade dos homens, uma das maiores favelas da
zona norte do Rio tem como gerente uma adolescente.
"Lá na boca, hoje em dia, tem
muita garota. As meninas trabalham como os meninos. Elas
usam armas e vendem drogas do
mesmo jeito que eles", diz F., 17,
presa há três meses por tráfico.
F. entrou para o tráfico aos 12
anos, influenciada por um tio. Ela
havia fugido de casa alguns meses
antes, depois que o padrasto tentou estuprá-la. Ela foi morar, então, com o namorado traficante,
morto semanas depois em confronto com a polícia. Com a morte, F. teve de deixar a favela onde
morava, ameaçada por policiais.
A adolescente já foi detida oito
vezes -duas por assalto a mão
armada e seis por tráfico de drogas. Para tentar se diferenciar das
outras 48 meninas do Educandário Santos Dumont, todas uniformizadas com bermudas azuis e
camisetas brancas, usa trancinhas
com enfeites coloridos no cabelo.
"Quase todas as minhas amigas
trabalham para o tráfico. Elas
querem ser como os meninos",
diz outra interna da instituição,
A., 18, que tem um filho de 1 ano.
Ela explica que começou a vender drogas por causa do dinheiro.
"Ganhava entre R$ 100 e R$ 200
por semana." O dinheiro era usado para comprar roupas e comida
para o bebê e drogas para ela.
Questionada a respeito da reação da família sobre seu envolvimento com o tráfico, ela respondeu: "Todo mundo achou normal. Todos os meus parentes estão envolvidos com o tráfico".
Cerca de 70% das meninas internadas na instituição estão lá
por envolvimento com o tráfico, e
a maioria já foi presa mais de uma
vez. A rotina no educandário é
bem diferente da vida no tráfico.
Elas tomam quatro banhos por
dia e fazem cinco refeições diárias. Quando não estão estudando, têm aulas de dança, corte e
costura e artesanato.
Especialista em pesquisas com
jovens, a antropóloga Regina Novaes diz que, apesar desse papel
ainda "menor", entrar no tráfico
é, para as meninas, uma forma de
reagir à opressão imposta pelos
rapazes traficantes.
É comum que, em favelas, os
traficantes tenham várias esposas,
conquistadas à força bruta ou seduzidas pelo poder do tráfico.
Ela conta que, em entrevistas
feitas em 1999 com jovens, uma
pergunta sobre perspectiva de vida gerou uma resposta até então
inédita entre as garotas: "Quero
ser dona do morro".
Para alguns especialistas, o aumento das infrações cometidas
por garotas viria como reflexo da
maior participação de menores
em atividades ilegais.
Pesquisa do Centro Latino-Americano de Estudos da Violência, da Fundação Oswaldo Cruz,
mostra que, de 95 a 98, a criminalidade cresceu mais entre menores do que entre adultos.
Na comparação por 100 mil habitantes, o crescimento nas taxas
de infrações entre meninas foi de
170%; entre os meninos, de 122%,
e entre adultos de ambos os sexos,
de 40%. A chamada "juvenilização" do crime é uma espécie de
reflexo indireto do Estatuto da
Criança e do Adolescente, que, ao
impor sanções mais leves a menores de 18 anos, fez deles exército
preferencial do crime.
Texto Anterior: Aviação: Empresa aérea inicia operação com vôos para quatro capitais Próximo Texto: Diretor vê falha do Estado e da sociedade Índice
|