São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2009

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Universidade deve punir trote violento, afirmam reitores

Suspensão e expulsão devem ser adotadas; principal controvérsia são casos fora do campus

Tema veio novamente à tona pelos recentes casos de queimaduras em jovem grávida e de coma alcoólico e chicotadas em garoto


MÁRCIO PINHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A universidade tem, sim, a obrigação de prevenir e punir trotes violentos com suspensões e até expulsões. É o que dizem cinco atuais e ex-reitores, o Conselho de Reitores de Universidades Brasileiras, dois pesquisadores e a Abmes (Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior) -o tema veio de novo à tona com os casos de queimaduras na caloura grávida Priscilla Muniz, 18, e coma alcoólico e chicotadas em Bruno Ferreira, 21.
A principal controvérsia é o fato de os casos mais graves ocorrerem geralmente fora do campus. Nesse ponto, as opiniões sobre a responsabilidade da universidade diferem.
"O ideal é trabalharmos pela prevenção, por uma cultura de paz. Trote é uma palavra da cultura animal. Mas a punição a casos que acabam com violência às vezes é necessária e dá exemplo. Na PUC o trote é proibido, mas ele deve ser punido quando acontece fora, pois a relação dos alunos está ligada à entidade", diz Hélio Deliberador, pró-reitor de Cultura e Relações Comunitárias da PUC.
Em 1998, a universidade expulsou cinco jovens após o estudante Rodrigo Favoretto Peccini ter fogo ateado em seu corpo num trote em Sorocaba.
Para o ex-reitor da USP Roberto Lobo, a universidade tem que se posicionar em casos de violência. Até para dar exemplos. "Se ela encontrar respaldo jurídico, via portaria, ou decisão do conselho superior, cabem punições para atitudes fora." Como reitor (1990-93), ele proibiu o trote não consentido.
Esse respaldo jurídico poderia vir da lei estadual 10.454, de 1999, que proibiu o "trote violento" em universidades estaduais, mas é desconhecida da maioria dos entrevistados.
Naquele ano, foi encontrado morto na piscina da atlética da Faculdade de Medicina da USP o estudante Edison Tsung Chi Hsueh.
O ex-governador e ex-reitor do Mackenzie, Cláudio Lembo, diz que punir violência de fora é difícil, mas que isso pode se dar pelo próprio estatuto. "Esse documento dizia que o nome da instituição tinha de ser preservado em qualquer lugar. Se o aluno fizesse qualquer ato não civil, poderia ser punido. Cheguei a suspender alunos após atos decorrentes de bebedeira."
A dificuldade de fiscalizar atos externos e a omissão dos calouros que temem sofrer repressão dos veteranos dificultam as punições, segundo a ex-pró-reitora de graduação da Unifesp Lúcia Sampaio, que defende ações "solidárias". Na federal, é feita doação de sangue na semana de recepção, entre outras atividades.
A presença da faculdade em uma festa de boas-vindas também é apontada pelo ex-reitor da USP José Goldenberg como alternativa pacífica. Para ele, porém, a universidade não tem como interferir muito em eventos externos. "Tem que tratar como um delito civil e chamar a polícia".
Para a Abmes, a responsabilidade da universidade é dentro dela e em seus arredores. "Ela não pode se responsabilizar por coisas que ocorrem longe", diz o presidente da entidade, Gabriel Carlos Rodrigues. Ele diz que, apesar de fatos negativos, há muitas campanhas de solidariedade sendo feitas.
Sobre isso, o Conselho de Reitores de Universidades Brasileiras afirmou que, embora tenha notado queda da quantidade de trotes violentos nos últimos anos -conforme se disseminaram os trotes solidários-, as exceções chamam atenção pela "violência extrema", em referência aos episódios das últimas semanas.

Rito de passagem
Apesar da recente polêmica, a violência dos veteranos não é recente. Os primeiros registros datam do século 14 em Paris.
"Não há uma explicação muito clara porque começaram com a tradição. Acredito que para descontar em parte o que recebem na produção do conhecimento, muitas vezes violenta, marcada por humilhações dos professores", afirma o pesquisador e professor da UFSCar Antonio Zuin.
No Brasil, o primeiro trote fatal foi em 1831. Um aluno de direito de Olinda morreu a facadas após recusar-se a receber o trote, segundo o ensaísta Glauco Mattoso, autor do seu livro "O Calvário dos Carecas". "Se proibirem nas universidades, ele pode ocorrer de forma clandestina e violenta. O ideal seria conscientizar sobre valores que desincentivem a violência", diz.


Colaborou RICARDO SANGIOVANNI , da Reportagem Local


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