São Paulo, quarta-feira, 15 de maio de 2002

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INFÂNCIA

Artur Kalichman, do Programa de DST-Aids de São Paulo, afirma que é desaconselhável a segregação das crianças

Para especialistas, decisão é retrocesso

DA REPORTAGEM LOCAL

A decisão da Justiça de Santos separando crianças soropositivas das soronegativas recua o debate sobre a Aids para uma década atrás, afirmam especialistas. Para o Judiciário e o Ministério Público, as transferências priorizaram a saúde da criança.
A decisão também revela uma preocupação com o risco de contágio entre as crianças. Brincando -ou brigando entre si- elas poderiam se ferir.
"Na verdade, todas as crianças, em caso de acidente, devem receber os cuidados universais", afirma Artur Kalichman, coordenador do Programa Estadual de DST-Aids de São Paulo.
Em caso de queda, corte ou mordida, o local deve ser lavado com muita água e sabão. "Um adulto sempre estará por perto para tomar esses cuidados", afirma Kalichman.
Da mesma forma que os cuidados devem ser os mesmos, os equipamentos e a infra-estrutura para crianças soropositivas não precisam ser diferentes. "Se fosse assim, toda família com uma criança soropositiva teria que ter uma casa especial", diz o médico.
O tratamento é oferecido pela rede pública de saúde, para onde as crianças são levadas regularmente ou para onde vão quando sentem febre ou estão com diarréia. "Só seria diferente se o abrigo atendesse crianças doentes, que necessitam de cuidados diários de enfermagem, e optasse por um tratamento na própria casa."
O mesmo vale para as creches e as escolas. "A política de saúde incentiva o relacionamento das crianças, contrariando qualquer segregação entre elas", afirma.
Caso o abrigo não ofereça condições adequadas para crianças com HIV, também não estaria oferecendo condições para menores que não têm o vírus, dizem os especialistas. Nesse caso, a casa não poderia receber crianças, mesmo as mais sadias.
A discussão relembra o caso de Sheila Cortopassi, abandonada com HIV nos corredores do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, no início dos anos 90 e que foi adotada por uma família substituta. Ao ter sua matrícula recusada por uma escola, Sheila provocou um debate nacional e levou à publicação de uma portaria interministerial proibindo esse tipo de discriminação. O grande temor dos donos da escola era o de Sheila infectar outras crianças.

Separação
Se o risco de contágio entre crianças é praticamente inexistente, atitudes como a separação causam danos que só mais tarde poderão ser avaliados. "As perdas que vinham sendo superadas aos poucos retornam com mais força ainda", diz Maria Teresa Zogaib, psicóloga da Casa Vó Benedita.
Fragilizadas por serem portadoras do HIV, pelo afastamento da família e pela perda de identidade, crianças vítimas de separações podem ter suas defesas reduzidas, facilitando a ocorrência de doenças oportunistas, diz a psicóloga.
(AURELIANO BIANCARELLI)


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