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Radar pode enganar piloto sobre tempestade
Segundo manual da Airbus, chuva forte às vezes esconde do radar meteorológico uma região mais turbulenta à frente
Situação pode ajudar a explicar por que avião que fazia o voo AF 447 entrou em área com condições
de tempo tão adversas
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL
DE BRASÍLIA
Além do cipoal de dúvidas
técnicas sobre o acidente com o
voo AF 447 da Air France, uma
pergunta central talvez nunca
seja respondida: por que o
avião aparentemente entrou
em uma região com condições
meteorológicas tão adversas no
trajeto entre o Rio e Paris?
Se não responde, a leitura do
manual de operação do radar
da Airbus -fabricante da aeronave que caiu com 228 pessoas
a bordo na noite do último dia
31- joga luz sobre a questão.
Lá está indicado que chuva
forte pode enganar o instrumento, escondendo regiões
com violentas tempestades
mais à frente. E que pilotos tendem a enfrentar nuvens quando estão com mais de 15 minutos de atraso, como poderia ser
o caso, e quando é noite -como
era no momento do acidente.
A seção de uso de radar meteorológico do manual tem 17
páginas e é escrita em linguagem direta para pilotos de toda
a família Airbus, inclusive o A-330/200 que caiu. Ensina operações básicas do equipamento,
erros comuns e como se precaver em várias situações.
Quando o piloto enfrenta
uma grande tempestade, o feixe do radar tende a refletir as
grandes gotas de chuva, que
funcionam como uma parede,
escondendo tempo mais turbulento à frente. À noite, segundo
pilotos, isso é mais perigoso.
A avaliação meteorológica na
rota do AF 447 indica grande
atividade de CBs, os cumulus
nimbus, nuvens gigantes cujo
topo no domingo do acidente
estava acima da altitude presumida do avião. Dentro delas, há
fluxos turbulentos violentos,
rajadas de vento, granizo e
raios potentes. A chuva forte
pode, hipoteticamente, ter
criado uma barreira para o radar do avião e ocultado perigos.
Antes de decolar, o piloto recebe as cartas meteorológicas
da região, e elas já apontavam
tempestade. Um Airbus-340 da
Iberia, que voou atrás do AF
447, teria previsto mais combustível para fazer desvios em
seu trajeto, segundo relato da
imprensa espanhola. Não se sabe o que os franceses fizeram.
Aliás, não se sabe se eles efetivamente tentaram desviar da
tempestade -decisão que tem
de ser tomada, segundo a Airbus, a até 74 km da tempestade.
O radar tem alcance máximo de
596 km, mas nas condições em
que voava provavelmente usava um alcance menor, de 148
km, porém com mais potência.
Modo manual
Segundo pilotos comerciais
ouvidos, uma prática comum
pode também ter afetado a leitura de radar na região. Enquanto os aviões estão subindo,
os pilotos costumam ajustar
manualmente a direção da antena, "escaneando" o caminho
à frente no ângulo desejado.
Em nível de cruzeiro, contudo, a praxe é manter o radar em
modo automático, exceto se
houver uma formação que mereça ser estudada à frente.
Se a tripulação deixou o radar
em modo manual com um ângulo de varredura incorreto (e
isso é mera especulação), pode
ter havido sinais fracos. A prática orientada de elevar a potência do radar em alta altitude para detectar o máximo de granizo, que nessa região é menos
reflexivo por ser mais seco,
também pode gerar confusões.
Outro ponto abordado no
manual da Airbus é que pilotos
costumam enfrentar nuvens
mesmo com os avisos do radar
em algumas circunstâncias.
A fabricante condena tal procedimento. Entre as circunstâncias citadas estão a noite, caso do AF 447, e o atraso superior a 15 minutos. Não está dito,
mas é uma referência à política
das empresas de fazer a rota pelo menor caminho e economizando o máximo de combustível. Por outro lado, nenhum piloto arriscaria a própria vida.
Dito isso, pelo plano de voo
original, a previsão era que o
Airbus passasse pelo ponto da
carta aeronáutica conhecido
como Intol (565 km de Natal)
às 22h09. Mas o comandante
reportou sua passagem por rádio ao controle de Fernando de
Noronha às 22h33, um atraso
normal de todo modo e que poderia ser compensado.
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