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São Paulo, terça-feira, 15 de julho de 2003

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"Isso parece Bagdá", diz moradora

DA SUCURSAL DO RIO

A manicure Mara Silva, 28, contou ter passado a madrugada deitada no chão, abraçada à filha de sete anos. Ela disse que traficantes andaram sobre a laje de sua casa durante a madrugada. Os tiros estouraram sua caixa d'água.
"Ela [a filha] estava morrendo de medo e quis fazer xixi duas vezes. Nós andamos de quatro até o banheiro, com os tiros comendo. Ela tampava os ouvidos com força. Dava pena", afirmou Silva, que não disse o nome da filha.
Para os mais novos, a violência faz parte da rotina. Marília, 10, mora na rua do Serviço desde que nasceu. Ontem, ela falava sobre o tiroteio com colegas que moram em ruas mais distantes. "Tenho medo não. Já estou acostumada."
Como Marília, outras crianças quiseram ver o cadáver do desconhecido morto no tiroteio. Ele foi assassinado com crueldade: tinha uma chave de boca enterrada no olho esquerdo. Um tiro de fuzil destruiu parte de sua cabeça.
Uma estudante de 17 anos, moradora da rua, disse não se conformar com a rotina de barbárie e ter saudades da época em que podia ir a festas à noite. Agora, após as 19h, ninguém mais sai de casa, contou. "Isso aqui parece Bagdá."
Os moradores afirmaram que, na hora do tiroteio, deitaram no chão. Disseram que nada viram, pois não tiveram coragem de olhar para fora das casas.
Passado o susto, eles criticam a suposta ausência do Estado. "Onde estão esses 250 homens [policiais militares] que ele [Anthony Garotinho, secretário estadual de Segurança] disse que botou aqui?", perguntou o comerciante que se identificou como Carlos, dono de uma padaria que teve os vidros quebrados pelos tiros.
"Aquele batalhão que construíram é dinheiro perdido. Melhor seria ter construído casas para os pobres", disse o vendedor Cesinaldo Pereira, dono da casa alvejada por mais de cem tiros.


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