São Paulo, sexta-feira, 15 de agosto de 2008

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BARBARA GANCIA

Panteão vazio


Lula quer produzir heróis para ocupar um panteão vazio e a cobertura dos Jogos Olímpicos de Pequim tenta imitá-lo

PELA GRAÇA DE DEUS , Lula colocou um ponto final na vontade do ministro trapalhão Tarso Genro de rever a Lei da Anistia.
Falando sobre a questão, em reunião com estudantes, no Rio, o presidente afirmou que "precisamos tratar um pouco melhor os nossos mortos. Toda vez que nós falamos dos estudantes que morreram, dos operários que morreram, nós falamos xingando alguém que os matou, quando na verdade esse martírio nunca vai acabar se a gente não aprender a transformar os nossos mortos em heróis e não em vítimas".
Desculpe a burrice, senhor presidente, mas não entendi. Quem seriam os heróis dos anos de chumbo? Os militares que torturaram ou a turma do outro lado, que queria instalar um regime marxista no país e, para tanto, não se acanhou em roubar, seqüestrar e matar inocentes? Talvez herói mesmo seja o pai do meu amigo Marcelo Rubens Paiva, o deputado Rubens Paiva, sujeito bonachão e adorado por todos os que o conheciam. Seu desaparecimento até hoje não foi explicado nem seus restos recuperados.
Mas, pensando bem, Rubens Paiva não lutava para instalar o comunismo no país quando foi levado pelos militares. Ele não pegou em armas, não seqüestrou nenhum embaixador nem assaltou bancos. Mesmo estritamente sob o ponto de vista daqueles que até hoje aplaudem esse tipo de ação, ele não estaria no rol dos heróis. Rubens Paiva acabou sendo apenas uma vítima desse desastre chamado regime militar.
Nossa Lei da Anistia foi feita como tudo mais no país, de maneira capenga. A dor que a família de Marcelo Rubens Paiva carrega até hoje, as indenizações graúdas e safadas para gente que nunca passou apuro na mão dos militares e a impunidade de milicos torturadores, que acabaram com a vida de uma pá de gente que não estava diretamente envolvida no conflito, continua aí para que a gente se recorde dos trancos e barrancos que nos conduziram ao regime democrático. Vale lembrar que a Lei da Anistia foi aprovada pelo general Figueiredo, o último presidente militar antes da transição para a democracia.
Lula quer produzir heróis para ocupar um panteão vazio e a cobertura dos Jogos Olímpicos em Pequim tenta fazer o mesmo para incrementar a audiência.
Superestruturas foram montadas para que a Olimpíada chegasse à tela da sua TV e da minha. Batalhões de repórteres, produtores e técnicos foram enviados a Pequim, mas a primeira semana dos Jogos não proporcionou lá grande satisfação ao torcedor tapuia. Quatro míseras medalhas de bronze não enchem a barriga de ninguém e, por conta da escassez de resultados até agora -note que escrevo na quinta-, os telejornais resolveram apelar.
Todo santo dia, o telespectador é convidado a cair em prantos em razão de alguma façanha extracampo de um novo suposto "herói" tapuia.
Nada contra ficar emocionado com atletas que tiveram de lutar contra a falta de estrutura e de dinheiro para chegar a Pequim. E sei que deve ser duro preparar um esquema monumental de cobertura e não ter medalhas para mostrar. Mas camuflar o fracasso do Brasil com matérias que apelam aos nossos sentimentos mais primitivos parece ser a maneira mais preguiçosa de lidar com a falta de assunto.

barbara@uol.com.br
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