São Paulo, quinta-feira, 15 de setembro de 2005

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Jurado de morte, vigilante deixou Vila Nova Curuçá

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

O vigilante Ricardo Francisco dos Santos mudou-se do bairro de Vila Nova Curuçá, onde mora sua família, no extremo leste da cidade, e foi se esconder no Capão Redondo, zona sul, há três anos, depois de ser jurado de morte por causa de dívidas com um comerciante de carros. Há 11 meses, já resolvida a pendência, voltou a freqüentar a Vila Nova Curuçá, quando lhe nasceu o filho. Nessa época, retomou a amizade com Nilton Yonekura, da família chacinada. As casas dos amigos distam 1.460 metros uma da outra.
"Eles viviam juntos. O japonês vinha muito aqui. Estava tentando conquistar o coração da irmã do Ricardo, que é uma moça inteligente, no último ano da faculdade de direito", conta Givaldo Torquato Macedo, o Gordo, dono do Gold's Bar.
Mãe e irmã de Ricardo não são vistas na casa da rua Cembira desde segunda-feira. O pai já disse que de lá não sai. Ontem, às 11h, foi visto andando rumo ao ponto de ônibus, a cabeça baixa.
"Ele é um trabalhador, e um bom trabalhador. Tá vendo aquela casa ali? [aponta] Foi o pai do Ricardo que reformou. Aquela outra e aquela também. Ah, ele também fez uns serviços na minha casa", diz o conserta-tudo Erivaldo Alves de Almeida.
No domingo, antes de saber das acusações contra o filho, o pai colocava grades e levantava os muros de mais uma casa do quarteirão. Nenhum imóvel da área tem muros baixos.
Ao lado da família de Ricardo, uma vizinha teve o marido assassinado na porta de casa. Um filho foi executado por traficantes. Outro, dependente de drogas, morreu de Aids contraída pelo uso de seringas contaminadas. Na calçada do bar do Gordo, dois jovens foram assassinados há quatro anos. "Aqui, rola farinha [cocaína] demais", diz o comerciante.
A mãe de Ricardo abriu uma bombonière. Não deu certo. Hoje, cuida de um casal de idosos. Está sempre elegante, de blazer e calças compridas.
"É uma família tranqüila, normal, inimiga de encrencas", diz a funcionária do salão de beleza do quarteirão. Nem para uma cervejinha no final da semana, pai e filho passavam no bar do Gordo. "O único vício familiar é o Santos Futebol Clube", diz ela.
O pai migrou do Nordeste para a Vila Nova Curuçá. Veio do sertão baiano. No mesmo quarteirão, os donos do Beco do Mocotó, da oficina e da barbearia também vêm da Bahia. O dono da farmácia é alagoano e o da auto-escola, cearense. "Sabe aquela timidez do cara do interior? Assim é o pai de Ricardo. Tirar um "bom dia" dele já é difícil", diz um vizinho.
Quando a polícia chegou à casa da família Santos, na madrugada de segunda-feira, Gisele da Silva, funcionária da locadora de vídeo Desirée, achou que era por causa de uma tragédia canina. "No dia anterior, a cachorrinha cocker da mãe do Ricardo foi estraçalhada por um pit bull sem focinheira", lembra. "Achei que só podia ser este o motivo da visita da polícia."
Os vizinhos se lembram da única vez, fora essa, em que apareceram na TV. Foi na campanha eleitoral de 1994, quando José Dirceu, candidato a governador pelo PT, almoçou no Beco do Mocotó. Deu no horário eleitoral gratuito.


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