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OPINIÃO
"Lei do cartório": quem pode se beneficiar?
IVONE ZEGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Promulgada no início do ano,
a lei que permite a realização de
separações, divórcios, inventários e partilhas em cartórios foi
saudada como uma oportuna
medida para agilizar esses processos, reduzindo a burocracia,
os custos e, conseqüentemente,
o tempo de duração.
No entanto, tenho notado
que ainda pairam muitas dúvidas por parte do público sobre
como se beneficiar dessa medida. Essas dúvidas foram solucionadas pela resolução nš 35
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 24/04/2007, que
regulamenta a popularmente
chamada "lei do cartório".
Ainda falta, porém, traduzir
tudo isso para que o cidadão leigo entenda como a nova lei funciona na prática e de que maneira -e sob quais condições-
pode-se recorrer a ela.
O primeiro ponto a esclarecer é quem pode se beneficiar
com a nova lei. Divórcios e separações só podem ser feitos
em cartório se forem consensuais, ou seja, se ambos os cônjuges estiverem de acordo em
relação a todos os aspectos do
procedimento -como divisão
de bens do casal e o pagamento
de pensões alimentícias, por
exemplo. Essas informações
constarão em escritura pública
a ser lavrada pelo tabelião.
Se houver litígio, a separação
ou o divórcio só poderão ser
realizados pela via judicial,
pois, evidentemente, cabe ao
juiz arbitrar as disputas, e não
ao tabelião. Outra condição é
que o casal não possua filhos
menores ou incapazes (caso de
pessoas com deficiência). Se
possuir, é obrigatório recorrer
ao Judiciário, que tem o dever
de zelar para que os interesses
dos menores e dos incapazes
sejam respeitados.
Cumpridas essas exigências,
tanto a separação quanto o divórcio direto -bem como a
conversão da separação em divórcio- podem ser feitos extrajudicialmente.
Outro detalhe esclarecido
pela resolução diz respeito à
mudança de sobrenome. Se o
cônjuge quiser mudar seu sobrenome de casado para o de
solteiro após a separação ou divórcio, poderá fazê-lo na própria escritura pública. A alteração pode ser feita no ato ou posteriormente -mediante declaração unilateral do interessado
(isto é, o ex-cônjuge não precisa
estar presente nem se manifestar a respeito) e com assistência de advogado.
E tem mais. Se os cônjuges
voltarem atrás e decidirem retomar seu casamento, o restabelecimento da sociedade conjugal também pode ser feito por
escritura pública, ainda que a
separação tenha sido judicial.
Contudo, os que optarem pela
separação ou divórcio extrajudicial devem estar cientes de
que não há sigilo nas escrituras
públicas desses procedimentos. Se o casal fizer questão de
manter em segredo os termos
de sua separação, então deverá
recorrer à via judicial.
As condições para realizar inventários e partilhas de herança em cartório são semelhantes. É necessário que haja comum acordo entre os herdeiros
e todos devem ser maiores de
idade e capazes. Além disso, é
preciso que o falecido -ou o
autor da herança- não tenha
deixado testamento. Se deixou,
o inventário e a partilha terão
de ser feitos judicialmente.
Uma dúvida que até pouco
tempo atrás causou divergências entre os juristas diz respeito à necessidade ou não de que
esses procedimentos sejam
posteriormente homologados,
ou ratificados, pelo juiz. A resolução nš 35 esclareceu a questão ao estabelecer que as escrituras públicas de inventário e
partilha, separação e divórcios
consensuais não dependem de
homologação judicial, sendo títulos válidos para o registro civil e imobiliário e para a transferência de bens e direitos (Detran, Junta Comercial, bancos,
telefônicas etc.).
A resolução também traz
uma boa notícia para os que vivem em união estável. A pessoa
que tiver direito à herança do
companheiro (ou companheira) falecido pode, desde que
não seja o único herdeiro ou
herdeira, realizar os procedimentos de inventário e partilha
em cartório. Para que isso ocorra, porém, é necessário que todos os demais herdeiros (que
devem ser maiores e capazes)
estejam de acordo -inclusive
no que diz respeito ao reconhecimento da união estável.
Cabe lembrar, ainda, que
mesmo aqueles que se enquadram nas exigências necessárias para recorrer à via extrajudicial continuam tendo o direito de optar pelo Judiciário, se
assim desejarem. E os que optaram por realizar esses procedimentos em cartório continuam tendo o direito de apelar
aos tribunais caso surja alguma
divergência posterior -como,
por exemplo, a revisão do valor
da pensão alimentícia. Porém,
se a revisão da pensão for decidida amigavelmente, é possível
retificar o valor na própria escritura, sem a necessidade de ir
aos tribunais.
Todos esses procedimentos
podem ser feitos em qualquer
cartório escolhido pelos interessados, em qualquer cidade
ou Estado. Os valores cobrados
pelos tabeliães podem variar de
um lugar para outro, mas é importante ressaltar que a resolução proíbe cobranças sob a forma de porcentagens sobre os
valores relativos à divisão de
bens do casal ou da herança. E
se, mesmo assim, os interessados não puderem pagar, serão
isentos dos custos mediante a
apresentação de declaração de
que não possuem condições de
arcar com as despesas -ainda
que estejam sendo assistidos
por um advogado contratado.
A presença do advogado,
aliás, é obrigatória, pois esses
procedimentos extrajudiciais
não dispensam a participação
desse profissional. O tabelião
não pode indicar um advogado
aos interessados. Mas pode recomendar aos que não dispõem
de recursos para contratar um
advogado que recorram à Defensoria Pública ou, onde não
houver, à seccional da Ordem
dos Advogados do Brasil.
Em relação às atribuições
dos tabeliães face à nova lei, é
interessante observar que eles
podem se negar a lavrar a escritura de separação ou divórcio
caso percebam que os termos
do acordo estão lesando os direitos de um dos cônjuges, ou
que um deles está sendo coagido a aceitar condições que lhe
são prejudiciais -uma medida
que contribui para tornar o
procedimento mais seguro.
IVONE ZEGER é advogada especialista em Direito Civil e de Família. Escritora, palestrante e
autora do livro "Como a Lei Resolve Questões de
Família", da Mescla Editorial.
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