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MOACYR SCLIAR
Perguntas a um auto-seqüestrador
Vamos supor que sua família pagou o resgate. E agora? O que você fará? Voltará para casa? Com todo esse dinheiro?
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Polícia prende jovem acusado de forjar o
próprio seqüestro. Um jovem de 25 anos
foi preso acusado de simular o próprio
seqüestro, em Contagem (MG). Outras
duas pessoas acusadas de envolvimento
no caso foram presas.No mesmo dia, os
falsos seqüestradores ligaram para um
tio da "vítima" e pediram R$ 10 mil pelo
resgate. Antes que o dinheiro fosse pago,
policiais conseguiram localizar a falsa vítima e os falsos seqüestradores, que vão
responder por extorsão. Folha Online
SABEMOS QUE É MUITO fácil simular o próprio seqüestro.
Basta sumir e pedir a amigos
que telefonem à família, dizendo
num tom ameaçador algo como:
"Estamos aqui com o Fulano. Se vocês não pagarem o resgate até amanhã, às dez horas, podem se despedir dele para sempre".
O problema não é este. O problema é o do resgate. O problema é calcular a quantia que será pedida ou
exigida. Se você está pensando num
auto-seqüestro, responda às perguntas que seguem e que, para facilitar, foram divididas em três grupos.
Primeiro grupo de perguntas: A
quantia será estipulada na base do
que você vale, ou acha que vale? Neste caso, como é que você calcula o
quanto você vale, ou ache que vale?
Por aquilo que você aprendeu no colégio? Pelos diplomas que você conquistou? Pelo afeto que você distribuiu? Pela ajuda que você deu a seus
pais, seus tios, seus irmãos, seus primos? Pelo número de vezes que você sorriu para eles? Pelos presentes que lhes deu nos respectivos aniversários? Pelos e-mails que você mandou? Pelos favores que lhes fez?
Segundo grupo de perguntas: Ah,
você não vai pedir o resgate na base
do que você vale, ou do que você
acha que vale. Você acha mais prático calcular aquilo que sua família
pode teoricamente pagar. Mas como
descobrir o que a família pode teoricamente pagar? Examinando as declarações de renda? Conferindo os
saldos bancários, admitindo que você tenha acesso a eles? E se não tiverem o dinheiro disponível (como
muitas vezes acontece a famílias de
seqüestrados), o que você fará? Sugerirá que eles vendam propriedades? Quais propriedades? A casa onde moram? A casa onde passaram a
maior parte de suas vidas? As jóias?
Incluindo aquele medalhão que foi
herança de sua bisavó? Ou quem sabe você sugerirá que eles tomem dinheiro emprestado em algum banco? Neste caso, há algum banco que
você gostaria de sugerir? Há alguma
taxa de juros cobrada por eles que
você considere absurda?
Terceiro grupo de perguntas: Vamos supor que sua família pagou o
resgate. Você recebe o dinheiro, divide-o com os amigos que lhe ajudaram nesta complicada (mas até certo ponto divertida) operação. E agora? O que você fará? Voltará para casa? Com todo esse dinheiro? Como
explicará à sua família essa riqueza
súbita? Dirá que, por coincidência,
ganhou na loteria, apostando no número formado pelas idades de seus
seqüestradores? E o que você fará
com esse dinheiro? Ajudará a sua família, aliás formada por pessoas que
você ama, e que fariam qualquer coisa por você? Ou preferirá aplicações
financeiras? Você adquirirá ações?
Que ações? As tradicionais, ou aquelas que de repente podem disparar
na Bolsa?
Perguntas, perguntas. O seqüestro cobra seu preço. E não apenas da
família do seqüestrado.
MOACYR SCLIAR escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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