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DATA VENIA
"Torre de Babel" e a honra
ADRIANA GRAGNANI
EVA BLAY
A década de 70 é um marco para
o movimento feminista. Nela se
incrementou, no plano acadêmico
e social, a reflexão sobre a condição feminina, buscou-se compreender as raízes que conduziam
à subordinação da mulher e, sobretudo, buscou-se desvendar que
mitos e valores levavam o homem
a assassinar sua companheira, ou
ex-companheira, questão até o
momento cheia de lacunas.
Aos assassinos, sempre homens
probos, impunham-se penas
brandas. À mulher assassinada,
nenhuma defesa de sua dignidade.
Era sempre a culpada.
De lá para cá, a sociedade continuou a presenciar esse tipo de crime. As mulheres têm acompanhado os julgamentos que, quase
sempre, ao seu final, deixam a sensação de que a justiça não foi feita.
Neste perpetuar do supostamente justificado direito de assassinar
a mulher, chama atenção a trajetória do personagem Clementino, na
novela "Torre de Babel".
Depois de assassinar sua mulher,
Clementino passa 20 anos preso.
Se considerarmos que o sistema de
aplicação de penas, no Brasil, é
progressivo (do fechado ao aberto, de condições mais severas para
menos severas, de acordo com o
mérito do condenado), a pena a
que foi submetido contraria a lei.
Se pensarmos, também, que o
crime foi cometido nos idos da década de 70, concluiremos que a situação de Clementino não reflete o
que ocorria em termos de assassinatos de mulheres e as brandas penas impostas aos seus algozes. Não
nos foge à lembrança Ângela Diniz, Eliane de Gramont, entre tantas mulheres assassinadas.
Como saga da família Clementino, tenta-se repetir a cena de 20
anos. Sua filha Sandra, garçonete,
moça desvairada, de personalidade semelhante à mãe assassinada,
envolve-se com um jovem advogado de futuro, defensor de seu
pai, extremamente ético e equilibrado (será?). De tal sorte são as
peripécias da moça, que acabam
por atingir a honra do profissional, que, surpreendido em sua
inocência, num ataque de raiva,
tenta repetir o gesto assassino, como ocorreu com seu cliente.
A conclusão diabólica e divorciada da Justiça: há 20 anos a mulher de Clementino tinha por que
ser assassinada; sua filha Sandra é
sua cópia escrita! As mulheres devem, por essa ótica desumana, por
desígnios tramados por uma sociedade permissiva e cruel, ser
marcadas. A morte violenta é didaticamente apontada.
Aqui a ficção une-se à realidade
dos fatos, pelo trágico, pelo infortúnio. No Estado de São Paulo, as
mulheres continuam a morrer
porque são subordinadas aos maridos, companheiros, namorados,
ao Estado, à ausência de mecanismos para o exercício da plena cidadania. As mulheres continuam
a ser assassinadas pelos maridos,
companheiros ou namorados.
O princípio da dignidade da pessoa humana não é valor ético inatingível. Já é mais do que a hora de
sermos merecedores de respeito,
inclusive no horário das oito.
Adriana Gragnani, socióloga e advogada, é assessora da Comissão da Mulher Advogada
(OAB-SP).
Eva Blay, socióloga, é professora titular de sociologia e coordenadora do Nemge (Núcleo de
Estudos e Relações Sociais de Gênero) da USP.
Foi senadora pelo PSDB-SP (1992-95).
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