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Reforma manterá ala para 283 doentes crônicos do Juquery
Obra custará R$ 36 milhões e pretende "humanizar" o local; tendência é que esses hospitais psiquiátricos desapareçam
Maria dos Santos Pereira, 59, está há 49 anos no Juquery; assim como outros
282 pacientes crônicos, só sairá de lá quando morta
WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Maria dos Santos Pereira, 59,
passa o dia na beira da cama, no
canto direito da enfermaria,
olhando pela janela. Cercada
por flores de plástico, ela monitora o Hospital Psiquiátrico do
Juquery, em Franco da Rocha
(Grande SP), e dá broncas nas
mulheres que correm nuas aos
berros. "Antes, eu botava ordem nisso tudo, no braço."
A própria Pereirão ri, entre
orgulhosa e tímida, ao lembrar
dos tempos em que o lugar "era
o inferno, cheio de mulher fazendo xixi no chão" -sua memória guarda uma lucidez incômoda. "Antes, seis homens
não me seguravam. Olha meu
braço. Gordo de injeção."
Mas Pereirão não é uma personagem do passado. Há 49
anos no Juquery, é das mais antigas entre os 283 pacientes
crônicos que só sairão de lá
quando mortos -eles não têm
para onde ir.
Explica também por que a famosa ala de crônicos, que o então governador Geraldo Alckmin prometeu desativar em
2006, não só não feche suas
portas como passe, a partir desse mês, por uma reforma de R$
36 milhões que vai remodelar
todo o complexo do Juquery.
Um prédio hoje caindo aos pedaços -a "primeira colônia",
antes "um depósito de gente"
-será reformado e receberá
apenas os pacientes crônicos.
"A recomendação não é criar
unidades intra-hospitalares",
diz Pedro Delgado, coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde, já que o Brasil
vem passando desde 2001 por
um processo de "desinstitucionalização", tirando os pacientes das enfermarias.
"Mas se for uma transição
que humanize, é bem-vinda." E
diz: O Juquery "chegou a um
estágio em que pacientes com
maior dependência são um desafio". Porque "a tendência é
que esses hospitais desapareçam", diz sua diretora, Maria
Teresa Freire. "Mas não se fecha um hospital assim."
Busca do tempo perdido
A reforma é a última etapa de
uma cruzada pela "devolução"
dos pacientes que estavam internados no Juquery -há 20
anos eram 18 mil. Sua memória
e documentos foram devassados. "Eles têm memória, só não
se perguntava", diz a coordenadora de psiquiatria do Juquery,
Maria Alice Scardoelli.
Muitos foram internados há
mais de 50 anos pelos pais -a
maioria já morta. Sobram sobrinhos, enteados, padrastos.
"Mas imagine uma cunhada
descobrir que tem um cunhado
internado no Juquery? É um
tal de todo mundo desaparecer." E a lei só obriga pais e filhos a darem custódia mútua.
No Juquery estavam também deficientes físicos e idosos
-que não deveriam estar em
um manicômio- e que foram
encaminhados para outros
hospitais. Os 283 "resistiram a
todos os processos".
O mesmo tem acontecido
Brasil afora. Em São paulo, cerca de 500 parentes foram rastreados desde 2004, e 13% dos
pacientes voltaram à família
-mas no Estado há 12 mil pacientes crônicos à espera.
Como Pereirão, que pode migrar para uma das "casinhas"
terapêuticas. Só que 49 anos
aqui parecem pesar mais. "Não
quero ficar sozinha. Daqui eu
não saio."
Mesmo com as histórias de
horror que marcaram o Juquery e que a lei 10.216, de
2001, proíba novas internações
em instituições asilares, famílias insistem em internar seus
entes com problemas psiquiátricos. "No mínimo uma vez
por mês um familiar vem ao Juquery, até pela fama que tem,
pensando: vou deixar ele aí",
diz Scardoelli -como uma mãe
que já tentou várias vezes internar um filho com depressão
crônica. "Esses gostam muito
de fazer um laço com o lençol
no chuveiro", diz.
"Esse modelo se construiu
em 200 anos", diz Delgado
-seis anos, desde a nova lei, seria pouco para que haja uma
mudança de mentalidade da
população. O ideal, diz, é oferecer alternativas que convençam as famílias de que a substituição do modelo asilar é vantajosa. "Não pode ser a de "fique
com seu paciente.'"
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