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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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CAOS NO RIO

Para especialistas, política atual não conteve a oferta e a demanda; descriminação é vista como uma saída

Tráfico lucra com ação antidroga obsoleta

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

A política de repressão ao tráfico e ao consumo de drogas no Brasil está esgotada. Essa é a opinião praticamente unânime de 16 especialistas de diversas áreas de conhecimento ouvidos pela Folha desde o início da semana passada sobre o assunto.
O diagnóstico comum a empresários, policiais, educadores, advogados, juízes e acadêmicos é que o poder público não está sendo capaz de reduzir o consumo e a oferta de drogas e a consequente violência que isso gera.
A solução para o problema divide os especialistas. A mais citada foi a descriminação e a legalização das drogas. O tema é polêmico, mas seus defensores argumentam que, apesar de possíveis riscos de aumento do consumo, essas duas saídas afetariam o tráfico diretamente na venda, diminuindo o poder econômico e, com isso, dificultando a compra de armas e a capacidade de recrutar jovens.
A tese encontra opositores ferrenhos e até mesmo seus defensores admitem que teria que ser mais discutida pela sociedade. A defesa dessa solução, no entanto, ganhou força com o argumento de que não se trata mais de um problema de saúde pública. O foco da discussão mudou da capacidade de redução do consumo que essa medida traria para a eficácia dela no combate ao narcotráfico.
A descriminação faria com que o consumo de drogas não fosse mais tratado como crime. A legalização é um estágio ainda mais ousado, pois permitiria que qualquer empresa pudesse produzir e vender drogas, com algum tipo de controle do Estado, o que quebraria o "monopólio" dos traficantes.
"A experiência dos últimos decênios demonstrou inequivocamente que a sociedade civilizada perdeu a guerra da droga. Proibi-la e criminalizá-la gerou a criação de gangues perigosas, que controlam hoje favelas do Rio e de São Paulo. O poder delas é claramente superior à capacidade do mundo civilizado de combatê-las", diz o sociólogo Hélio Jaguaribe.
Para o presidente do BNDES, Carlos Lessa, autor de um livro sobre o Rio de Janeiro, não há outra alternativa a não ser discutir a viabilidade da descriminação.
"As pessoas de várias camadas sociais consideram a droga uma transgressão legal, porém socialmente aceitável. Parece-me que a sociedade vai caminhar para via da descriminação. É evidente que isso deve acontecer sobre um vasto conjunto de regras, mas como evitar se uma quantidade enorme de pessoas considera a droga moralmente aceitável?", indaga.
Os que discordam dessa idéia afirmam, ao menos, que tem que haver uma mudança no enfoque das campanhas de conscientização. Não adiantaria mais tentar convencer que a droga é nociva à saúde. Seria preciso conscientizar o usuário de que a compra de drogas é nociva à sociedade, por ser financiadora do tráfico.
"A legalização seria a última tentativa [para combater o tráfico", mas, até lá, teríamos que ter estudos sobre uma série de impactos que isso poderia trazer. Acho que ainda não chegamos a esse estágio. Ainda é possível investir na formação de uma mentalidade não consumidora. Para isso, o prisma mais eficaz é o da violência. As campanhas de conscientização deveriam mostrar mais o efeito que as drogas causam para a sociedade, e não apenas para a saúde do usuário", afirma a ex-juíza e deputada federal Denise Frossard (PSDB-RJ).
Essa seria uma tentativa de mostrar que as drogas, antes glamourizadas e encaradas por parte da sociedade como um ato de contestação, hoje têm como principal consequência a violência urbana gerada por traficantes que foram aumentando seu poder bélico ao longo dos anos.
Essa violência gerada pelo tráfico é um problema que afeta todos os Estados brasileiros, mas é mais visível no Rio de Janeiro.
Na última sexta-feira, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, revelou no Rio medidas de combate ao crime organizado. Além de destinar verbas para reforçar a segurança nos presídios estaduais, Bastos anunciou, junto com a governadora do Rio, Rosinha Matheus (PSB), o início de um processo de integração nas atividades de inteligência, repressão e patrulhamento de órgãos federais e estaduais.
Essa será mais uma tentativa de integração entre todos os poderes envolvidos no combate ao crime, outro fator citado como fundamental por quase todos os especialistas ouvidos pela Folha durante a semana passada -antes, portanto, do anúncio do ministro.
O aumento do efetivo da Polícia Federal, decisão divulgada também anteontem pelo ministro, foi outra necessidade lembrada. O controle das fronteiras, para impedir a entrada de armas e drogas no país, é de responsabilidade dessa polícia. É também parte da responsabilidade dela impedir que armamento das Forças Armadas cheguem aos traficantes.
Para o presidente do Instituto de Segurança Pública do Rio, órgão do governo do Estado, coronel da PM Jorge da Silva, a polícia estará sempre "enxugando gelo" enquanto a compra de armas por parte dos traficantes for facilitada.


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