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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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Rota de entrada evita fronteira vigiada

DA REPORTAGEM LOCAL

A boliviana Maria das Mercês (nome fictício) e um filho pequeno fizeram na semana passada a rota clandestina que milhares de conterrâneos seus, peruanos e paraguaios já fizeram. Por US$ 70, eles foram levados de ônibus até um pequeno hotel nas imediações de Assunção, no Paraguai. Os "passadores" de clandestinos evitam a fronteira Bolívia-Corumbá por ser muito controlada.
"Ninguém pode sair do hotel ou fazer perguntas", ela diz. No dia seguinte, de madrugada, depois de pagar US$ 100, um outro ônibus conduz o grupo até um pequeno hotel em Ciudad del Este.
Durante a noite, um terceiro ônibus vai levá-los pela Ponte da Amizade, até outro pequeno hotel em Foz do Iguaçu. Finalmente, um quarto ônibus vai deixá-los em algum ponto de São Paulo. "Em nenhum lugar nos pediram documentos", diz Mercês.
A Pastoral do Migrante estima que até 20 ônibus por mês cheguem a São Paulo trazendo imigrantes latino-americanos que entram clandestinamente. O chileno Juan Arturo Plaza, que dirige a Casa do Imigrante, diz que recebe dezenas de latinos por mês.
Mercês confirma relatos ouvidos por Plaza da boca de muitos imigrantes. Nas regiões altas e mais pobres do Peru e da Bolívia, rádios e jornais locais anunciam viagem grátis ao Brasil, com trabalho garantido, US$ 200 por mês, sem custos de passagem nem exigência de papéis. Os anúncios e o transporte são bancados por donos de oficinas de costura de São Paulo.
"Aqui, eles não pagam nem deixam sair por seis meses", diz Mercês, que viveu essa situação um ano atrás, em sua primeira vinda ao Brasil.
Parte dos imigrantes fica aqui por dois anos, volta para suas terras e retorna ao Brasil anos depois, quando o dinheiro acaba.
Muitos fazem de tudo para ficar e, uma vez com a situação regularizada, vão trazendo os parentes.
Foi assim com o paraguaio Leonardo, 32, que veio há dez anos em busca de um transplante de rim. Só conseguiu entrar na "fila" de órgãos quando seu filho nasceu e os papéis foram regularizados. Hoje, ele e a mulher, Aurelia, comandam uma oficina onde uma irmã, duas sobrinhas e um sobrinho -todos ainda ilegais- costuram peças para os coreanos.
"Não quero sair mais daqui", diz Julio, 23, que entrou no país há menos de um ano. Adela, 22, irmã de Leonardo, chegou há um mês com um cisto na mama e aguarda na fila dos exames da Santa Casa.
No mesmo bairro do Brás, a paraguaia Olga, o marido e mais cinco irmãos moram na casa-oficina onde máquinas de costura dividem o espaço com beliches.
Nas cerca de 18 mil oficinas de costura da Grande São Paulo, a prática e o cenário são semelhantes. Os latino-americanos recebem as peças cortadas, trabalham e vivem em grupos familiares e costuram durante quantas horas aguentarem. (AB)


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