São Paulo, sexta-feira, 16 de abril de 2004

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Ameaças de vingança marcam enterro de Lulu

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Moradores da Rocinha vão ao cemitério para enterrar traficante


DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO

DA SUCURSAL DO RIO

"Ô Dudu, pode esperar, a sua hora vai chegar." Foi assim que familiares, comparsas e moradores da Rocinha enterraram o traficante Luciano Barbosa da Silva, 27, o Lulu, morto anteontem em operação da polícia na favela.
Dudu é Eduíno Eustáquio de Araújo Filho, traficante que desencadeou a guerra na Rocinha na madrugada de sexta-feira, ao tentar invadir a favela para retomar pontos de droga.
As cerca de 400 pessoas que, segundo a PM, acompanharam o enterro do criminoso não permitiram a entrada de fotógrafos e cinegrafistas no cemitério São João Baptista, em Botafogo (zona sul). Apenas repórteres, sem se identificar, presenciaram a cena.
Ainda durante o velório, parentes e amigos do traficante e do outro morto enterrado ontem, Ronaldo Araújo da Silva, hostilizaram um cinegrafista, que precisou sair correndo, e fotógrafos.
Fora do cemitério, pessoas que acompanhariam o enterro atiraram pedras e garrafas de vidro nos jornalistas. A repórter Mônica Ferreira, da TV Bandeirantes, foi atingida no pé por um pedaço de mármore. PMs em um carro parado próximo ao cemitério nada fizeram. O reforço policial chegou 15 minutos após a confusão. Ao final do enterro, havia cem PMs fortemente armados.
Por cinco minutos, das 17h55 às 18h, carros e motos da polícia interromperam o trânsito no túnel Zuzu Angel, que liga a Gávea a São Conrado, para a passagem dos sete ônibus que tinham ido ao enterro.
Antes de chegar à Rocinha, alguns participantes do enterro quebraram vidros dos ônibus em que estavam e homens com camisas que escondiam seus rostos subiram no teto dos veículos, assustando pedestres e motoristas. Com as mãos, eles reproduziam as iniciais CV, da facção criminosa Comando Vermelho.
À tarde, durante o velório lotado, o clima era tenso. De tempos em tempos, alguém chorava ou desmaiava. Uma senhora começou a gritar ao sair da capela em que era velado Ronaldo, que foi morto com Lulu. "Meu filho morreu desse jeito porque não me obedeceu. Em troca de uma amizade, perdeu a vida", disse.
Uma das coroas de flores enviadas indica que Lulu não foi renegado pelo Comando Vermelho. "Eterna saudade de seus companheiros. Paz, justiça e liberdade."
Os dois corpos chegaram ao São João Baptista, único cemitério da zona sul carioca, às 12h45. Pouco depois, duas pessoas que seriam próximas de Lulu disseram à Folha que a versão de que o traficante resistiu era mentirosa.
Segundo elas, Lulu foi surpreendido quando estava dormindo e se entregou. Então, a polícia teria dito: "Já era, perdeu". "Todo mundo viu, mas quem é que vai falar?", disse uma das pessoas. De acordo com ela, o outro morto nem traficante era.
A versão oficial é que os dois foram mortos em confronto com policiais, após 15 minutos de tiroteio, e que, com eles, foram encontrados fuzis, pistolas e munição. (PEDRO DIAS LEITE, MARIO HUGO MONKEN E ALESSANDRO FERREIRA)

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