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"É um urro de animal acuado", diz sociólogo
DA SUCURSAL DO RIO
O coordenador do Centro de
Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Cláudio Beato, comparou a
ação do PCC a um "urro de animal acuado" que organizou os
ataques na tentativa de obter benesses por parte das autoridades.
"Eu me preocuparia muito mais
com o PCC silencioso, com pleno
domínio da situação nas cadeias,
na polícia, nos agentes e no sistema judiciário. Do ponto de vista
institucional, seria mais preocupante", disse à Folha, por telefone, de Belo Horizonte.
Sociólogo, Beato, 49, considera
a legislação brasileira "muito leniente em relação a certo tipo de
preso". Defendeu que os líderes
do PCC sejam encarcerados sob
guarda do governo federal. "Botar
[os presos] lá no meio do Amazonas, sem celular nem nada. E deixá-los trancados lá. Esses caras
não têm recuperação", afirmou.
Folha - A que o senhor credita o
que está ocorrendo no sistema carcerário a partir de São Paulo?
Beato - Não há novidade nenhuma. É um protesto que já vem vindo há algum tempo. Temos uma
crise no sistema prisional de algumas décadas, decorrente de várias
coisas. A opção majoritária de juízes pela pena privativa de liberdade, contra a pena alternativa, o
que acaba misturando presos perigosos com comuns. Há o problema histórico da nossa legislação penal, que é dura. O problema
é a legislação de execução das penas, toda a discussão de benefícios, de progressão de regime
dentro das cadeia. Que é onde
moram muitas das benesses pelas
quais esse pessoal do PCC briga.
Folha - A legislação não diferencia as lideranças do PCC e os presos
de menor periculosidade. Essa diferença deveria ocorrer?
Beato - Deveria. Você tem regime disciplinar diferenciado. O líder do PCC deveria ficar permanentemente nesse regime. Mas
não, fica um ano, depois volta. A
legislação é muito leniente em relação a certo tipo de preso. Há
também o problema do controle
do que acontece nas prisões. A
questão dos celulares, a corrupção dos agentes e os advogados.
Três coisas que há pelo menos dez
anos a gente discute.
Folha - Não é mais fácil controlar
o uso do celular na cadeia?
Beato - Há grande interesse em
que não se mude [a questão dos
celulares]. Hoje em São Paulo o
grande objeto dos assaltantes em
vias públicas é o celular. Assaltam
para roubar o celular. Onde esse
celular vai parar? Ou na mão de
traficantes ou dentro das prisões.
As operadoras não fazem nada,
estão faturando com isso. A polícia, por sua vez, também não se
esforça muito, pois usa isso para
fazer escuta dentro das prisões ou
de bandidos. É uma polícia cuja
inteligência se limita à escuta.
Isso aliado à questão do gigantismo do sistema prisional de São
Paulo, que tem 40 mil pessoas. É
muito difícil de controlar as visitas, o que estão levando. O que você tem, não é nem uma torneira
aberta, é uma enxurrada mesmo.
Essas coisas somadas geraram
um sistema que funciona muito
mal e, pior, é muito violento. O
PCC surgiu nas cadeias; é um movimento de reivindicação de dentro das cadeias. O que fortalece o
PCC é a reação violenta da sociedade tem em relação aos presos.
Folha - Como assim?
Beato - Pessoalmente, acho que,
por mais dramático que seja -e
nunca vi uma situação tão dramática na segurança pública, em termos de reação de um grupo organizado-, isso por outro lado é
sintoma de uma debilidade. É coisa de quem está acuado, de animal acuado. A gente sabe que os
cartéis da Colômbia, quando foram mais acuados, foi a época em
que foram mais violentos. Matavam juízes e inocentes na rua.
Folha - O que as autoridades devem fazer com os líderes do PCC?
Beato - Esses criminosos tinham
que estar separados. Misturar
presos perigosos e comuns é uma
idéia muito ingênua de que prisão
recupera alguém. Se a pessoa tem
alguma chance de recuperação,
não a ponha na cadeia. Para essas
lideranças as prisões tinham que
ser federalizadas. Botar lá no meio
do Amazonas, sem celular nem
nada. E deixá-los trancados lá. Esses caras não têm recuperação.
(SERGIO TORRES)
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