São Paulo, terça-feira, 16 de maio de 2006

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"É um urro de animal acuado", diz sociólogo

DA SUCURSAL DO RIO

O coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Cláudio Beato, comparou a ação do PCC a um "urro de animal acuado" que organizou os ataques na tentativa de obter benesses por parte das autoridades.
"Eu me preocuparia muito mais com o PCC silencioso, com pleno domínio da situação nas cadeias, na polícia, nos agentes e no sistema judiciário. Do ponto de vista institucional, seria mais preocupante", disse à Folha, por telefone, de Belo Horizonte.
Sociólogo, Beato, 49, considera a legislação brasileira "muito leniente em relação a certo tipo de preso". Defendeu que os líderes do PCC sejam encarcerados sob guarda do governo federal. "Botar [os presos] lá no meio do Amazonas, sem celular nem nada. E deixá-los trancados lá. Esses caras não têm recuperação", afirmou.
 

Folha - A que o senhor credita o que está ocorrendo no sistema carcerário a partir de São Paulo?
Beato -
Não há novidade nenhuma. É um protesto que já vem vindo há algum tempo. Temos uma crise no sistema prisional de algumas décadas, decorrente de várias coisas. A opção majoritária de juízes pela pena privativa de liberdade, contra a pena alternativa, o que acaba misturando presos perigosos com comuns. Há o problema histórico da nossa legislação penal, que é dura. O problema é a legislação de execução das penas, toda a discussão de benefícios, de progressão de regime dentro das cadeia. Que é onde moram muitas das benesses pelas quais esse pessoal do PCC briga.

Folha - A legislação não diferencia as lideranças do PCC e os presos de menor periculosidade. Essa diferença deveria ocorrer?
Beato -
Deveria. Você tem regime disciplinar diferenciado. O líder do PCC deveria ficar permanentemente nesse regime. Mas não, fica um ano, depois volta. A legislação é muito leniente em relação a certo tipo de preso. Há também o problema do controle do que acontece nas prisões. A questão dos celulares, a corrupção dos agentes e os advogados. Três coisas que há pelo menos dez anos a gente discute.

Folha - Não é mais fácil controlar o uso do celular na cadeia?
Beato -
Há grande interesse em que não se mude [a questão dos celulares]. Hoje em São Paulo o grande objeto dos assaltantes em vias públicas é o celular. Assaltam para roubar o celular. Onde esse celular vai parar? Ou na mão de traficantes ou dentro das prisões. As operadoras não fazem nada, estão faturando com isso. A polícia, por sua vez, também não se esforça muito, pois usa isso para fazer escuta dentro das prisões ou de bandidos. É uma polícia cuja inteligência se limita à escuta.
Isso aliado à questão do gigantismo do sistema prisional de São Paulo, que tem 40 mil pessoas. É muito difícil de controlar as visitas, o que estão levando. O que você tem, não é nem uma torneira aberta, é uma enxurrada mesmo.
Essas coisas somadas geraram um sistema que funciona muito mal e, pior, é muito violento. O PCC surgiu nas cadeias; é um movimento de reivindicação de dentro das cadeias. O que fortalece o PCC é a reação violenta da sociedade tem em relação aos presos.

Folha - Como assim?
Beato -
Pessoalmente, acho que, por mais dramático que seja -e nunca vi uma situação tão dramática na segurança pública, em termos de reação de um grupo organizado-, isso por outro lado é sintoma de uma debilidade. É coisa de quem está acuado, de animal acuado. A gente sabe que os cartéis da Colômbia, quando foram mais acuados, foi a época em que foram mais violentos. Matavam juízes e inocentes na rua.

Folha - O que as autoridades devem fazer com os líderes do PCC?
Beato -
Esses criminosos tinham que estar separados. Misturar presos perigosos e comuns é uma idéia muito ingênua de que prisão recupera alguém. Se a pessoa tem alguma chance de recuperação, não a ponha na cadeia. Para essas lideranças as prisões tinham que ser federalizadas. Botar lá no meio do Amazonas, sem celular nem nada. E deixá-los trancados lá. Esses caras não têm recuperação.
(SERGIO TORRES)


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