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Brasil tolera violência policial, diz ONU
Relatório divulgado ontem aponta que, no país, os policiais estão por trás de "uma significativa proporção dos homicídios"
Para o relator, há pouco alarme em relação à violência policial porque a maioria admite que a lei é pouco para combater o crime
MARCELO NINIO
DE GENEBRA
Relatório da ONU divulgado
ontem ataca as políticas de segurança do Brasil e chama a
atenção para a violência policial e "as execuções extrajudiciais" no país, que, diz o estudo,
tem um dos índices de homicídios mais altos do mundo.
O relator Philip Alston, autor
do documento, inspecionou o
Brasil por dez dias em novembro de 2007, quando esteve
com autoridades e ativistas e
visitou favelas e presídios. Sua
conclusão é a de que a violência
policial é tolerada pelos governantes e por boa parte da população. Sua principal crítica é em
relação às mortes de pessoas já
rendidas por policiais. "O assassinato não é uma técnica
aceitável nem eficaz de controle do crime", condena Alston.
De acordo com ele, "as execuções extrajudiciais estão desenfreadas em algumas partes do
Brasil". Os policiais estão por
trás de "uma significativa proporção dos homicídios", diz o
relatório. "Policiais da ativa recorrem rotineiramente à força
letal, e um grande número de
policiais de folga faz parte de
esquadrões da morte e outras
formas de crime organizado."
Alston aponta ainda que o
Brasil não evoluiu desde o último relatório, de 2004. Naquela
época, segundo o relatório, o
índice de homicídios estava
"entre 45 e 50 mil por ano", como atualmente [dados do governo federal, divulgados em
janeiro deste ano, indicam que
o total de homicídios no país
caiu 5,11% em 2004, 1,65% em
2005 e 1,93% em 2006, sempre
em relação ao ano anterior].
Também afirma, a exemplo
do estudo anterior, que hoje
grande parte dos assassinatos é
cometida por policiais. "No Rio
de Janeiro, a polícia mata três
pessoas por dia", diz Alston.
"Eles são responsáveis por um
em cada cinco assassinatos."
Para o relator, há pouco alarme público em relação à violência policial porque a maioria
admite que a lei é pouco para
combater o crime. O principal
motivo para que muitos policiais se envolvam em milícias
ou esquadrões da morte é o baixo salário, conclui o relatório.
Aumento para policiais
O aumento nos vencimentos
dos policiais é apenas uma das
dezenas de recomendações que
o relatório tem para o Brasil.
Outra é evitar operações "mega", que geralmente resultam
em enorme prejuízo para moradores inocentes.
Segundo o relatório, que usa
dados do governo federal e dos
Estados, em uma dessas operações, a invasão do complexo do
Alemão, no Rio, em 27 de junho
de 2007, "ilustra como tal abordagem pode ser uma tentação
na teoria, mas na prática causa
assassinatos e acaba sendo uma
autoderrota".
Para comprovar a tese, Alston lembra que 19 pessoas foram mortas, mas a polícia
apreendeu duas metralhadoras, seis pistolas, três fuzis, uma
submetralhadora, 2.000 cartuchos e 300 quilos de drogas.
O relatório será apresentado
na ONU nos próximos dias,
quando o Brasil poderá rebater
as críticas. Uma delas é em relação à lentidão da Justiça e a baixa incidência de condenações.
No Rio e em São Paulo, só
10% dos homicídios chegam à
Justiça. Em Pernambuco a taxa
é de 3%. Dos 10% que são julgados em São Paulo, calcula-se
que metade seja condenada.
"Esses números são ainda menores nos casos em que há o envolvimento de policiais", diz.
Um dos focos do estudo é a
ação das milícias no Rio de Janeiro. Segundo Alston, 92 das
cerca de 500 favelas do Rio estão em poder delas. "As milícias
são formadas por grupos de policiais, ex-policiais, bombeiros,
agentes penitenciários e indivíduos que tentam "tomar" áreas
geográficas e fazem um "policiamento" paraestatal, explica.
Alston recomenda reformas
nas polícias Civil e Militar, Corregedoria de polícia, medicina
legal, ouvidorias, promotores
públicos, Judiciário e administração carcerária."O escopo das
reformas necessárias é assustador", admite, "mas a reforma é
possível e necessária", reforça o
relator das Nações Unidas.
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