São Paulo, terça-feira, 16 de setembro de 2008

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Relator critica operações da polícia no Rio e elogia São Paulo

ANDREA MURTA
DE NOVA YORK

As megaoperações da polícia no Rio "só servem para relações públicas", diz Philip Alston, autor do relatório da ONU. Para o advogado, professor visitante da Universidade de Harvard, enquanto a situação piora no Rio, há em São Paulo um esforço para se controlar a polícia.

 

FOLHA - Como evoluiu a violência no país nos últimos anos?
PHILIP ALSTON
- A situação em São Paulo está melhorando. As estatísticas mostram isso. Muitos grupos afirmam que a cifra de 70% de diminuição de homicídios [dados do governo] é um exagero, mas mesmo esses concordam que em geral houve uma melhora. Não é só uma diferença de método de aferição. É resultado de um esforço do governo para controlar melhor a polícia e ter estratégias mais eficientes. Há mais ênfase em programas sociais e serviços e melhor treinamento policial. Já o Rio está piorando. Lá não parece haver nenhum controle sobre a polícia e a ênfase é sempre em megaoperações, que são só marketing eleitoral. A operação no complexo do Alemão, que matou 19 pessoas [em junho de 2007], (...) foi só relações públicas.

FOLHA - O problema da violência do Rio tem solução?
ALSTON
- Sim, e são simples. Não acho que o governo tentou usar as técnicas policiais que até São Paulo já desenvolveu. Os confrontos não ajudam em nada. Uma megaoperação em que a polícia sai do morro um dia depois é uma piada. Os traficantes voltam. Qualquer ação policial tem que ser coordenada com uma estratégia governamental mais ampla para conquistar o apoio da população.

FOLHA - O sr. fez alguns comentários positivos sobre o caveirão...
ALSTON
- Há circunstâncias em que não há alternativa ao caveirão. Só que a polícia abusou tanto e ele se tornou um símbolo tão grande de ódio que seu uso deve ser minimizado.

FOLHA - O relatório diz que policiais classificam mortes sem chance de defesa como "resistência seguida de morte" para escapar da punição. Isso é generalizado?
ALSTON
- Sim, e é errado. Quando a polícia mata alguém, deveria haver a presunção de que a morte foi injustificada, cabendo ao governo justificá-la. O sistema consiste em classificar qualquer morte cometida pela polícia como fruto de resistência e não investiga. Então a polícia pode matar quem quiser.

FOLHA - Como o sr. vê a atuação da polícia após os ataques do PCC?
ALSTON
- Nessas situações, a polícia se vê pressionada a mostrar que pode reagir, e a forma que encontraram para isso foi sair e matar um monte de gente. A polícia não tinha o controle da cidade, e matar pessoas ajuda a esconder isso. É preciso uma estratégia de longo prazo para diminuir o poder das gangues, o que inclui uma forte atuação contra elas nas prisões.

FOLHA - A hierarquia da polícia brasileira atrapalha?
ALSTON
- O sistema brasileiro está ultrapassado. Um dos problemas é a idéia de uma Polícia Militar. Vai contra concepções modernas, que pregam a necessidade de um vasto complexo de estratégias de segurança. Há também corrupção e envolvimento em milícias por parte de PMs. E não há punição.

FOLHA - O que mudar?
ALSTON
- Acabar com a classificação de "resistência seguida de morte". Dar salários mais altos para policiais e carcereiros. Investigar e punir policiais que matam e se unem a milícias. Retomar o controle das prisões e reduzir a superlotação.


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