São Paulo, segunda, 16 de novembro de 1998

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Desigualdade social restringe acesso a saúde pública

ALESSANDRA BLANCO
da Reportagem Local

Na segunda quinzena de maio deste ano, quando sua oitava gestação se aproximava dos sete meses, a dona-de-casa Nelci Vilela, 34, de São Paulo, sentiu formigamentos pelo corpo e mal-estar.
Acostumada a não fazer nenhuma visita ao médico durante a gravidez, Nelci achou que estava com pressão baixa e colocou sal debaixo da língua. O resultado foi pior: ela estava com hipertensão, começou a ter contrações, foi internada às pressas, fez uma cesárea (a primeira depois de sete filhos) e perdeu o seu bebê, além de ficar internada em uma UTI.
Essa também não foi a primeira vez que Nelci teve problemas em uma gravidez. Seu filho Alessandro Vilela da Silva, 7, nasceu de seis meses e meio, com 900 gramas, ficou três meses internado e tem hidrocefalia (acúmulo de líquido no cérebro).
"Eu sei que eu deveria ter feito exame pré-natal e ido ao médico e que isso poderia ter salvado meu filho, mas tenho uma criança atrás da outra e não tenho com quem deixá-los", disse Nelci.
Para o coordenador do Programa de Saúde da Criança e do Adolescente da Secretaria Municipal da Saúde, Antonio Carlos Madeira de Arruda, a história de Nelci é o exemplo típico que pode explicar por que a taxa de mortalidade entre crianças negras e pardas é maior que entre crianças brancas: trata-se de uma questão de desigualdade social.
"Não que isso não ocorra com famílias brancas, mas a desigualdade social se reflete no pré-natal, no parto e no acompanhamento posterior. A população branca tem uma renda muito maior que a negra, e isso faz com que os brancos tenham convênio médico, que resulta em mais qualidade na hora do parto, UTIs neonatais e tecnologia para salvar os bebês quando necessário", disse.
O filho mais novo de Nelci tem um ano e meio, e o mais velho, 14. Na casa, só seu marido, Edvaldo Antunes da Silva, 54, tem renda. Faz bicos como polidor. "Todos os meus partos foram em hospitais públicos, e, graças a Deus, meus filhos nunca ficaram doentes, porque nunca levei nenhum deles ao médico", diz.
Histórias como essa e o alto índice de mortalidade infantil de crianças negras e pardas também não são novidade para os grupos de apoio e assistência ao negro.
Edna Roland, presidente do Fala Preta - Organização de Mulheres Negras-, diz que, desde 1980, entidades negras usam números de pesquisa da Unicamp -que mostram maior índice de mortalidade infantil entre negros e pardos- para tentar sensibilizar governo e sociedade.
"Esses números são os indicadores mais cruéis da desigualdade social entre brancos e negros. Isso é reflexo da baixa renda da mulher negra, do seu nível educacional e das condições socioambientais em que vivem as mães e as crianças negras: moradia, saneamento básico, exposição a doenças e até o estresse relacionado à violência urbana de onde vivem", afirma.



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