|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Desigualdade social restringe acesso a saúde pública
ALESSANDRA BLANCO
da Reportagem Local
Na segunda quinzena de maio
deste ano, quando sua oitava gestação se aproximava dos sete meses, a dona-de-casa Nelci Vilela,
34, de São Paulo, sentiu formigamentos pelo corpo e mal-estar.
Acostumada a não fazer nenhuma visita ao médico durante a gravidez, Nelci achou que estava com
pressão baixa e colocou sal debaixo da língua. O resultado foi pior:
ela estava com hipertensão, começou a ter contrações, foi internada
às pressas, fez uma cesárea (a primeira depois de sete filhos) e perdeu o seu bebê, além de ficar internada em uma UTI.
Essa também não foi a primeira
vez que Nelci teve problemas em
uma gravidez. Seu filho Alessandro Vilela da Silva, 7, nasceu de
seis meses e meio, com 900 gramas, ficou três meses internado e
tem hidrocefalia (acúmulo de líquido no cérebro).
"Eu sei que eu deveria ter feito
exame pré-natal e ido ao médico e
que isso poderia ter salvado meu
filho, mas tenho uma criança atrás
da outra e não tenho com quem
deixá-los", disse Nelci.
Para o coordenador do Programa de Saúde da Criança e do Adolescente da Secretaria Municipal
da Saúde, Antonio Carlos Madeira
de Arruda, a história de Nelci é o
exemplo típico que pode explicar
por que a taxa de mortalidade entre crianças negras e pardas é
maior que entre crianças brancas:
trata-se de uma questão de desigualdade social.
"Não que isso não ocorra com
famílias brancas, mas a desigualdade social se reflete no pré-natal,
no parto e no acompanhamento
posterior. A população branca
tem uma renda muito maior que a
negra, e isso faz com que os brancos tenham convênio médico, que
resulta em mais qualidade na hora
do parto, UTIs neonatais e tecnologia para salvar os bebês quando
necessário", disse.
O filho mais novo de Nelci tem
um ano e meio, e o mais velho, 14.
Na casa, só seu marido, Edvaldo
Antunes da Silva, 54, tem renda.
Faz bicos como polidor. "Todos
os meus partos foram em hospitais públicos, e, graças a Deus,
meus filhos nunca ficaram doentes, porque nunca levei nenhum
deles ao médico", diz.
Histórias como essa e o alto índice de mortalidade infantil de
crianças negras e pardas também
não são novidade para os grupos
de apoio e assistência ao negro.
Edna Roland, presidente do Fala
Preta - Organização de Mulheres
Negras-, diz que, desde 1980, entidades negras usam números de
pesquisa da Unicamp -que mostram maior índice de mortalidade
infantil entre negros e pardos-
para tentar sensibilizar governo e
sociedade.
"Esses números são os indicadores mais cruéis da desigualdade
social entre brancos e negros. Isso
é reflexo da baixa renda da mulher
negra, do seu nível educacional e
das condições socioambientais em
que vivem as mães e as crianças
negras: moradia, saneamento básico, exposição a doenças e até o
estresse relacionado à violência
urbana de onde vivem", afirma.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|