São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2007

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GILBERTO DIMENSTEIN

Um dia inesquecível


Entrou para a história como a primeira sexta-feira em que não houve registro de nenhum assassinato em São Paulo

SETE DE DEZEMBRO DE 2007 é um dia inesquecível: entrou para a história como a primeira sexta-feira em que não houve registro de nenhum assassinato na cidade de São Paulo, onde, desde 1999, a taxa de homicídios já caiu 72% -é o recorde absoluto de redução de violência no país.
O valor dessa conquista pode ser avaliado pela pesquisa do Ibope, divulgada na quarta-feira passada, em que mais uma vez a segurança aparece como a maior preocupação dos brasileiros. Daí que São Paulo se candidata à condição de laboratório urbano, de onde podem sair soluções para o resto do país, especialmente nas regiões metropolitanas. É o principal fato a ser destacado no balanço deste ano para São Paulo.

 

Mais recordes foram visíveis, neste ano, na cidade. Ferrari, Jaguar, Porsche e BMW vão bater o recorde de vendas; o modelo mais barato de uma Ferrari custa R$ 1,25 milhão.
Anuncia-se a venda na cidade de um apartamento de cobertura, ainda em construção, no valor de R$ 18 milhões; serão 1.700 m2, com direito a 17 vagas na garagem. A artista plástica Beatriz Milhazes inaugurou, no início deste mês, exposição com sete obras, que foram adquiridas rapidamente a preços entre R$ 100 mil e R$ 400 mil.
Marcas como Louis Vuitton, Giorgio Armani e Montblanc, entre muitas outras, expandem seus negócios em São Paulo e levam um número crescente de estudantes a buscar uma vaga no MBA de gestão de luxo, da FAAP. O responsável pelo curso, Silvio Passarelli, conta que, entre os matriculados, existe até um dentista interessado em criar estratégias para chegar aos mais ricos.
 

Os recordes da Ferrari e do número de assassinatos podem parecer contraditórios, afinal a violência está associada à desigualdade. Neste ano, porém, ambos fizeram parte da ebulição paulistana.
O desempenho das grifes explica-se pelo surgimento de novos milionários e até bilionários, devido ao crescimento econômico aliado a monumentais negócios da Bolsa de Valores. Por causa do aquecimento da construção civil, faltam engenheiros e, ao mesmo tempo, mestres-de-obra estão conseguindo salários acima de R$ 5.000.
 

Não há dúvida de que a cidade solidifica sua vocação para os serviços e, por causa disso, expande-se o número de profissionais mais escolarizados -assim como não há dúvida de que a redução do crime paulistano é um dos mais notáveis avanços sociais brasileiros. Tudo isso, entretanto, ainda é pouco para construir uma comunidade civilizada.
Até que ponto e em qual velocidade toda a cidade consegue diminuir a selvageria e a desigualdade são as questões que vêm animando os debates sobre uma das mais inusitadas experiências políticas brasileiras, a ser testada no próximo ano durante a sucessão municipal. Justamente aqui está a montagem do laboratório urbano.
 

Uma parte expressiva da elite paulistana participa de um movimento batizado de Nossa São Paulo, que, neste momento, está criando uma lista de indicadores a serem perseguidos. Desse movimento, surgiu a iniciativa, inédita no país, que tramita na Câmara dos Vereadores, com boas chances de aprovação: um projeto determinando a obrigatoriedade de o prefeito eleito apresentar em 90 dias um programa detalhado de metas para todas as regiões da cidade. A cada três meses, ele deve submeter-se a uma audiência para dar explicações sobre a execução dessas metas, sob risco de ser enquadrado por improbidade.
Para atingir as metas, será necessário fiscalizar não só o prefeito mas também o governador, cuja ação é decisiva na cidade; metade das escolas do ensino fundamental, por exemplo, são estaduais. Também será fiscalizada a ação do poder federal, a partir das prioridades locais. A idéia é cobrar não em cima de palavras, mas de números, disseminados pelos meios de comunicação.
 

O saldo de 2007 é o seguinte: a ebulição da cidade tem uma chance razoável de fazê-la converter-se num modelo de gestão política que ajude a produzir uma comunidade em que ninguém se espante com um dia sem assassinato.
 

PS- Os leitores desta coluna sabem como critiquei duramente José Serra, que, desrespeitando sua promessa, fez de seu mandato um trampolim. Continuo achando que a principal condição para ser prefeito de São Paulo é querer ser prefeito de São Paulo. É o mínimo para estar à altura da ebulição local. Devo reconhecer, entretanto, que o entrosamento, inédito na cidade, entre o governo estadual a prefeitura faz diferença na administração local -esse ganho deveria ser assegurado de forma institucional independentemente de quem estivesse no poder. Sem essa parceria, por exemplo, o apagão do trânsito será inevitável.

gdimen@uol.com.br


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