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MOACYR SCLIAR
Crime e castigo
1. Crime
Por custarem mais caro às instituições,
universitários com título de doutorado
estão sendo demitidos. Cotidiano, 10.jan.2005
O professor raramente via
o reitor, de modo que ficou
surpreso quando, uma manhã, chamaram-no à reitoria. Sem demora
foi lá, e ali estava o reitor, um homem alto, sisudo. Fê-lo sentar e
anunciou, sem rodeios:
-Recebemos uma grave denúncia contra o senhor. Fomos informados de que o senhor tem o título
de doutorado. E o senhor sabe que
nossa quota de doutores já foi ultrapassada, de modo que teremos
de demiti-lo.
O professor protestou: não sabia
do que o reitor estava falando. Seu
título era de mestrado, e era como
mestre que havia sido contratado.
-Neste caso -disse o reitor- como é que o senhor explica isto aqui?
Abriu uma gaveta e de lá sacou
uma publicação encadernada em
verde. Ao vê-la, o professor estremeceu: era sua tese de doutorado, apresentada em uma universidade distante. O segredo que ele imaginara
razoavelmente preservado agora
tornava-se público, graças, provavelmente, a algum desafeto. Em
prantos, disse que aquilo fora o resultado de um ato impensado, tresloucado mesmo:
-Quando dei por mim estava
escrevendo esta tese. Simplesmente
não pude me conter. Por favor, perdoe-me. Prometo que não vou pedir gratificação de doutorado, prometo.
O reitor concordou: daria uma
chance. Mas, a qualquer menção
de doutorado ou de pós-doutorado,
o professor estaria na rua.
Ele agradeceu, muito aliviado.
Em sinal de gratidão, pensa até em
renunciar ao mestrado.
2.Castigo
Prédios tremem durante shows no Guarujá. Cotidiano, 11. jan.2005
"Papai, mamãe, ontem lembrei de vocês,
ao ler essa notícia sobre os
shows que fazem tremer os prédios. E lembrei de vocês porque
não consigo fazer tremer prédio algum. Não consigo fazer
shows, não consigo tocar bateria.
Porque vocês não permitem.
Vocês não querem que eu seja
músico, dizem que não é uma
profissão séria. Vocês querem
que eu me forme numa faculdade, que tenha título de mestrado e de doutorado, que possa comprar um apartamento
como o de vocês, à beira-mar.
Onde eu seria, claro, infeliz para sempre, mas isso a vocês não
importa.
Quero dizer a vocês que há
tempos penso em me vingar e
que essa notícia me deu uma
grande idéia. Vou, sim, prosseguir na minha carreira musical. Vou formar um grande
conjunto, um conjunto que ficará famoso e que atrairá multidões para os nossos shows na
beira da praia. Nosso som fará
tremer o solo, os prédios, tudo.
Nosso som será um terremoto.
Melhor ainda: nosso som provocará um tsunami. E quando
a água do mar estiver invadindo o apartamento de vocês, vocês vão lembrar do que eu lhes
disse. Portanto escolham: ondas musicais ou ondas de maremoto. Só lembrem que não
tenho muito tempo para esperar pela decisão."
Moacyr Scliar escreve nesta coluna,
às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas
na Folha
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