São Paulo, sábado, 17 de março de 2007

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WALTER CENEVIVA

Crime pede ações a longo prazo

Parte das mudanças do Código Penal surgiu por impulsos de crimes cruéis, chamando a atenção do Legislativo

S E FOR POSSÍVEL dividir a sociedade brasileira em grupos homogêneos, a contar do que cabe fazer no combate à criminalidade crescente, encontraremos dois segmentos bem definidos. De um lado os que proclamam a urgência de penas mais rigorosas, para maior número de crimes e de pessoas (os menores, por exemplo). Do outro, os que não vêem nessas supostas necessidades a essência do problema a ser enfrentado.
No campo dos juristas há muitos argumentos pela segunda posição. Exemplos: é enorme o número de condenações cujas ordens de prisão não são cumpridas; a capacidade de ocupação das prisões está esgotada; são poucos os governantes que se dispõem a construir mais cadeias, até porque isso não dá voto e afasta eleitores que vivam perto dos lugares nos quais as prisões são erguidas. A sociedade tem outras queixas: a polícia não atua eficaz e rapidamente na apuração de crimes e, em geral, é mal-equipada, ganha mal e atende as vítimas sem suficiente atenção.
Contra punições mais rigorosas e extensas e contra condenações aplicadas a menores, a segunda corrente tem, ao menos, um argumento isento de dúvida: a prisão não regenera o condenado, mas agrava a qualidade negativa de sua personalidade.
Se hoje não há lugar para todos os apenados, imagine-se como ficará quando se reduzir a maioridade penal para 16 ou 15 anos.
Quem é o culpado pela situação? Recuso-me a concentrar a culpa nas mãos de um segmento isolado. Evidente que os três Poderes têm o dever de encontrar a solução. A sociedade poderá ajudar ao mobilizar-se com todas suas forças para esse fim.
No plano da lei, o exemplo mais claro de revisão a ser feita é o do Código Penal Brasileiro, cuja parte especial vigora desde 1940. Embora tenha mudado no curso dos decênios, sua especificação das condutas criminosas vem de tempos nos quais os comportamentos, as necessidades, os grupos populacionais tinham outras condições de vida.
Boa parte das mudanças do Código surgiu por impulsos de crimes cruéis, chamando atenção do Legislativo. Passados os casos mais escandalosos, porém, minguou o tempo dedicado ao problema. Nos quadros do Executivo, a acumulação de presos ou detidos (o "amontoar deles" ficaria melhor) em condições indignas agravou-se, sem sensibilização das autoridades. No Judiciário a retardada solução dos processos, mesmo com condenação dos culpados, contribuiu para o descrédito geral.
Os caminhos para a solução têm sido marcados por fatos estranhos ao direito e pela complexidade das condições da vida urbana, da escolaridade generalizada, da proteção à saúde, do atendimento previdenciário estendido a todos, menos pobreza e assim por diante. Em face dessas circunstâncias, mais se acentua o grave mal de leis nascidas de escândalos ocasionais e das paixões momentâneas, prejudicando e retardando as soluções.
O direito legislado não é, em si mesmo, a panacéia para todos os males. Ao sair uma lei nova, os políticos aparecem muito, sem contar ao povo (que parece gostar de ser enganado) que a interpretação final, pelos tribunais, só se consolidará anos depois. É chegado o momento de compreender que enfrentar o crime exige uma caminhada severa, ininterrupta, mas de longo prazo.


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