São Paulo, Domingo, 17 de Outubro de 1999
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EDUCAÇÃO
As atuais demandas sociais restringem a chance de êxito do programa Alfabetização Solidária no país
Fim do analfabetismo ainda é promessa


GILBERTO DIMENSTEIN
do Conselho Editorial

Perto de concluir o século, o Brasil já deveria ter erradicado o analfabetismo -era o que previa a Constituição de 1988, numa promessa para superar o grau mais agudo de ignorância.
Substituto do desmoralizado Mobral, lançado nos tempos do regime militar, o programa Alfabetização Solidária, criado no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, encontrou o país longe daquele ideal da Constituição, com indicadores de analfabetismo superiores até mesmo aos de nações mais pobres da América Latina ou mesmo da Ásia.
Segundo estimativas oficiais, haveria hoje em torno de 20 milhões analfabetos acima de 14 anos. O fracasso é visível pela lenta queda. Em 1992, eram 17,2% da população. Em 1995, esteve próximo dos 16%, até chegar aos atuais 14%. No Paraguai, por exemplo, o índice é de 8%.
Seguindo esse ritmo, apenas daqui a 25 anos o analfabetismo absoluto -daquele que não sabe ler nem escrever- estaria extirpado do cenário nacional. Ou seja, mais de uma geração.
Diferentemente do Mobral, a marca do Alfabetização Solidária é a parceria, atraindo a comunidade, sindicatos, empresários e universidades para o esforço educacional, oferecendo um curso de cinco meses.
Até dezembro deverá atingir 776,6 mil alunos, atuando em 866 municípios, especialmente no Norte e no Nordeste, segundo informa a coordenadora do programa, Regina Esteves.
Em vários municípios em que o programa está sendo aplicado, como Dona Inês (interior da Paraíba) -um dos campeões de analfabetismo-, o impacto vai além de aprender a ler e a escrever. Mães e pais aprendem o valor da educação e insistem para que seus filhos permaneçam na escola. A própria coordenação do programa reconhece, porém, que as limitações hoje ainda são maiores do que no passado.
As chances de sucesso do programa são mais restritas porque as demandas sociais são maiores e exigem melhor qualificação da mão-de-obra.
Apenas cinco meses de estudo não garantem, segundo os especialistas, que o aprendizado seja fixado. Exige-se, no mínimo, mais quatro anos de escolaridade.
Apenas saber ler e escrever, mesmo o nome ou um simples bilhete, dava, até anos atrás, chance de emprego - hoje beira a total impossibilidade.
Uma das peças fundamentais do Alfabetização Solidária são os cursos supletivos, complementares aos cinco meses. A implementação desses cursos depende, porém, da vontade dos municípios. Muitos deles, segundo os alfabetizadores, têm prefeitos e mesmos secretários da Educação analfabetos ou semi-analfabetos.
"Vimos prefeitos que precisam ter assessores apenas para leitura", afirma Regina Esteves.
A gradação do analfabetismo é, hoje, mais sutil, fazendo dos 20 milhões apenas uma parte - e não a pior -da ignorância crônica.
Cerca de 50 milhões de brasileiros não têm mais de quatro anos de estudos; enquadram-se, portanto, na categoria dos analfabetos funcionais.
São incapazes, por exemplo, de ler e entender um manual, impossibilitados, assim, de trabalhar como operários nas fábricas.
De acordo com os dados do Tribunal Superior Eleitoral, em cada três eleitores um pode ser classificado de analfabeto funcional.
Mesmo em São Paulo, a cidade mais rica do país, a situação é péssima. Segundo dados da Fundação Seade, o analfabetismo caiu para 5,3%; em 1994, era 6,5%.
Quando se leva em conta o chamado analfabetismo funcional, as estatísticas mostram que em cada três trabalhadores, um está nessa categoria -candidato, portanto, a se marginalizar no mercado de trabalho. Dados do IBGE indicam que, entre 1992 e 1996, as vagas oferecidas para quem tinha menos de cinco anos de escolaridade caíram 8%. Se incluída a nova categoria dos analfabetos, os tecnológicos -aqueles sem noção básica de informática-, a imensa maioria dos trabalhadores estaria enquadrada.
O analfabetismo mostra como crescem as desigualdades regionais -mais um fator de concentração de renda. Em 1980, o analfabetismo no Nordeste era de 45% da população com mais de 14 anos -2,7 vezes menos do que na região Sudeste.
Em 1996, apesar dos avanços, o analfabetismo do Nordeste é 3,3 vezes maior do que o do Sudeste.


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