São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

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VESTIBULAR

Funcionário da instituição acompanha estudante nas aulas do cursinho; preparação é possível devido a convênio

Jovem infrator tenta trocar Febem por USP

ANDRÉ NICOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Entre os 161 mil candidatos que farão o vestibular da Fuvest hoje, pelo menos dois esperam que o exame seja mais do que a porta de entrada para uma universidade gratuita. Para Júlio, 19, interno da unidade de Pirituba da Febem, e Eduardo, 18 (nomes fictícios), hoje no regime semi-aberto da instituição, a prova é uma das etapas para a reintegração à sociedade.
A preparação dos dois começou no início de agosto, quando Júlio recebeu uma bolsa de 80% do valor da mensalidade para o curso de educação física da Universidade Metodista de São Paulo. Para poder cursá-la, entretanto, ele teria de ser aprovado no vestibular da instituição. Educadores da Febem procuraram o Cursinho da Poli, pré-vestibular sem fins lucrativos, para que ele pudesse frequentar as aulas, e um convênio entre as instituições foi assinado.
Na época, Eduardo também estava em Pirituba e aproveitou a oportunidade. Todas as tardes, ele pega metrô e trem para ir ao cursinho e tenta estudar no percurso. Ele tentará uma vaga em direito na USP e na Unesp.
Como ainda é interno, Júlio tem de ir para o cursinho todos os dias acompanhado de um funcionário da instituição. "Mas eles não me atrapalham. Quando são professores, eles até me ajudam", disse ele, que tentará entrar em educação física na Metodista e na USP.
Mesmo que não sejam aprovados, os dois acham que a preparação já está servindo para incentivar outros internos. "No começo, alguns colegas da unidade falavam que eu era louco, que eu deveria aproveitar para fugir e ir roubar. Hoje, eu sirvo como um espelho para eles", diz Júlio.
Segundo Alvino Augusto de Sá, professor da USP e do Mackenzie, a educação é importante na ressocialização dos jovens infratores, pois permite o desenvolvimento da capacidade de reflexão e de simbolização. "Com isso eles percebem seu papel social na construção da sociedade."
Mesmo que não haja reflexão, o psicanalista Jacob Pinheiro Goldberg considera qualquer tipo de aquisição de informação importante para a recuperação do infrator. "Na nossa sociedade, o conhecimento é pré-requisito para a cidadania. Se ele não o possui, ele se sente humilhado e reage pelo crime. Com a educação, ele ganha outra forma de poder que não a violência", disse ele.

Adultos
Pelo menos 30 detentos em regime semi-aberto ou egressos também irão prestar vestibular hoje. Um convênio entre o Cursinho da Poli e a Funap (órgão estadual de amparo aos presos) é o que permite aos presos assistir às aulas.
Neste vestibular da Fuvest, todos conseguiram a isenção da taxa de inscrição, o que não aconteceu com os adolescentes da Febem. A inscrição de Júlio foi paga pelo diretor da unidade de Pirituba e as de Eduardo, parte pela unidade, parte por seus familiares.
Uma das beneficiadas com a isenção da Fuvest foi Elisabete Scarpitti Scaringe, 48, que cumpre pena em regime semi-aberto na Penitenciária Feminina do Butantã e trabalha na Funap. Como tem de estar todos os dias às 20h na penitenciária, ela assiste às aulas do cursinho apenas aos sábados.
Na penitenciária, ela afirma não conseguir estudar, pois chega às 20h, mas a fila para a revista costuma demorar pelo menos uma hora e meia e as luzes são apagadas às 22h. "Eu procuro aproveitar ao máximo as aulas do cursinho e estudo um pouco no domingo. Se não passar, prestarei de novo, porque passar na faculdade de direito é o meu objetivo."


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