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"Só fizemos nosso trabalho", dizem os pilotos, recebidos como heróis
Advogado de americanos afirma que, se pessoas soubessem a verdade, não criticariam recepção feita nos EUA
Eles alegam que receberam ordem do centro de controle diferente do que estava no plano de vôo e que isso acontece em 99% dos vôos
DA ENVIADA ESPECIAL A NOVA YORK
Os pilotos Joe Lepore e Jan
Paladino, do Legacy, dizem que
não viram nem tiveram a mínima idéia de que o Boeing da Gol
vinha na direção contrária e
que só umas duas horas depois
de pousar, sãos e salvos, na base
militar da serra do Cachimbo,
ficaram sabendo que um
Boeing havia "sumido".
Lepore, 42, nascido na Itália,
filho de italianos, mudou-se para os EUA aos sete anos, é casado e tem dois filhos. Paladino,
34, pai argentino e mãe espanhola, também é casado, sem
filhos.
(ELIANE CANTANHÊDE)
FOLHA - Vocês conheciam bem o
Legacy? Quanto tinham voado nele?
JOE LEPORE - Sou piloto há 20
anos, treinei 20 horas no simulador e, além disso, tenho voado
há bastante tempo em aviões
bem semelhantes. O equipamento me era muito familiar.
JAN PALADINO - Sou piloto há 16
anos, tinha voado bastante como comandante no Embraer
145, cópia exata do Legacy.
FOLHA - Ambos estavam acostumados o suficiente com os equipamentos, como o transponder?
LEPORE - Com certeza. Tinha
treinado muito no simulador,
que tem os mesmos equipamentos, e estava perfeitamente
confortável com a aeronave.
PALADINO - Eu também.
FOLHA - Vocês estudaram adequadamente a rota e o plano de vôo?
LEPORE - Eu olhei previamente
diferentes possibilidades que
poderiam nos dar no plano de
vôo e, quando chegou, olhei detalhadamente com o Jan e digitei os pontos de navegação em
nosso sistema de computador.
FOLHA - Então vocês sabiam que
seria contramão voar em altitude
ímpar entre Brasília e Manaus?
ROBERT TORRICELLA - A questão é
outra. É bastante comum que
aeronaves tenham autorização
para voar em altitudes não regulares ou padrão, isso depende dos centros de controle.
FOLHA - Como foi a autorização em
São José? O que o controlador disse?
TORRICELLA - Isso está sob investigação, eles não podem reproduzir a conversa, está sob sigilo.
FOLHA - Então, qual foi a autorização que receberam em São José?
LEPORE - Eles me autorizaram a
voar a 37 mil pés até Manaus.
FOLHA - Você concluiu que deveria
ir nessa altitude todo o tempo?
LEPORE - Se quisessem que nós
fizéssemos algo diferente, eles
teriam dito.
FOLHA - Segundo a Polícia Federal,
um de vocês disse que não tinha entendido as instruções finais.
TORRICELLA - A polícia não divulgou suas apurações publicamente, não se pode saber se há
isso ou não no seu relatório.
FOLHA - Eu vi a transcrição e o delegado diz especificamente isso.
TORRICELLA - A informação da
Polícia Federal não é correta.
Por isso devemos deixar os investigadores aeronáuticos profissionais fazerem seu trabalho.
FOLHA - Há dúvida se houve falha
de comunicação entre a torre, que
pode ter falado num só nível até
Brasília, e os pilotos, que entenderam uma só altitude até Manaus.
TORRICELLA - Não há nenhuma
dúvida de que o controle de São
José deu uma "clearance" para
Manaus voando em 370 [37 mil
pés]. A "clearance" se tornou o
plano de vôo em vigor, e a lei
exige que eles sigam isso. As regras são as mesmas no Brasil,
nos EUA e internacionalmente.
FOLHA - Quando o controlador disse 370, vocês questionaram lembrando que o plano era diferente?
LEPORE - Acontece o tempo todo, de você ter um plano de vôo
num altitude e ser autorizado a
voar em outro. Digamos que isso acontece 99% das vezes.
FOLHA - 99%?!
LEPORE - É. Plano de vôo não
passa de uma mera proposta.
TORRICELLA - Plano de vôo é um
pedaço de papel meramente.
FOLHA - O relatório preliminar disse que houve quase 30 tentativas
frustradas de contato por rádio, sete
dos controladores, o resto de vocês.
PALADINO - Posso garantir que
nossos rádios estavam funcionando apropriadamente, tanto
que recebíamos transmissões
em português de Brasília durante todo o vôo. Não entendemos uma palavra em português, mas sabíamos que o rádio
estava funcionando bem.
Quando nos aproximamos da
FIR fronteira [saindo da órbita
de controle de Brasília para a de
Manaus], eu comecei a chamar
o controle para ter certeza de
que estávamos na freqüência
correta. Quando não recebi resposta, segui os procedimentos e
chequei no "chart" as freqüências apropriadas para aquela
rota. Isso tomou alguns poucos
minutos. Eu estabeleci uma comunicação de mão única desde
o centro de controle, pedindo
para mudar a freqüência. Não
havia nenhuma urgência na voz
do controlador, que apenas nos
instruiu a contatar o centro de
Manaus a partir dali em determinada freqüência. Infelizmente, não consegui ouvir toda
a freqüência. Pedi para repetir,
no processo de tentar restabelecer comunicação.
FOLHA - Se vocês tentaram 19 ou
20 contatos, sem sucesso, por que
não digitaram o código 7600 no
transponder, registrando dificuldade de comunicação?
PALADINO - 7600 não é para dificuldade de contato com o centro de controle, é para falha de
equipamento. Não era o caso. O
rádio estava perfeitamente
bom. O que nós temos de fazer,
nesses casos, é procurar uma
outra freqüência, mais apropriada na rota, e foi o que eu fiz.
FOLHA - Houve a hipótese de vocês
terem desligado o transponder para
fazer pirueta sem registro no radar.
PALADINO - Foram acusações
falsas. Sabíamos que as gravações da caixa-preta provariam
que nada era verdade.
FOLHA - No relatório da PF, eles dizem que o transponder ficou desligado por 50 minutos. Por quê?
PALADINO - Não vimos nenhuma prova de que o transponder
estava inoperante, poderia ser
outro problema. Não havia durante o vôo a indicação na cabine de que estava inoperante.
TORRICELLA - Esse é o problema
da investigação da polícia. Eles
concluem coisas antes que os
investigadores aeronáuticos,
que são profissionais, cheguem
a suas próprias conclusões.
FOLHA - O sinal do transponder sumiu do radar de Brasília, os investigadores aeronáuticos confirmaram.
PALADINO - Onde estavam os
controladores que não perceberam isso?
FOLHA - Vocês sabiam que o Legacy ficou completamente fora de
qualquer radar por 20 minutos?
LEPORE - Não. Como saberíamos? Só se o centro de controle
tivesse nos alertado.
FOLHA - A polícia diz que há um
diálogo entre vocês na caixa-preta
confirmando que vocês sabiam que
o transponder estava fora do ar.
TORRICELLA - Nós não pretendemos tornar públicos detalhes
específicos das gravações. Mas
Joe e Jan já responderam que o
transponder estava ok.
FOLHA - Vocês viram o Boeing?
LEPORE - Não vimos nada. Sentimos uma forte sacudida, o piloto automático desligou, agarramos os controles e fizemos
tudo para manter o avião voando. A asa estava muito atingida.
Nós tínhamos o aeroporto mais
próximo no display da cabine e
voamos naquela direção.
PALADINO - No princípio, nem
tivemos idéia de que alguma
coisa tinha nos atingido. Pensamos que talvez tivesse tido falha estrutural. Ninguém poderia imaginar que outro avião tinha batido na gente.
FOLHA - Depois da colisão, como ficou o clima no Legacy?
LEPORE - Todo mundo estava
muito calmo. Fiquei feliz, pudemos nos concentrar no avião.
FOLHA - O primeiro contato por rádio foi com outro avião americano?
PALADINO - Fizemos uma série
de chamados de emergência e,
finalmente, foi justamente um
avião cargueiro [da Polar] que
nos ouviu, respondeu e foi nossa ponte com Manaus.
FOLHA - Há ou não um buraco negro nos céus do Brasil?
LEPORE - Não deveria estar lá.
FOLHA - Vocês têm acompanhado
o caos nos aeroportos do Brasil?
LEPORE - Vimos pela TV.
PALADINO - Com dez semanas
[no Brasil], era possível pegar
uma palavra e outra e entender.
FOLHA - Como foi esse período?
LEPORE - Muito duro. Não sabíamos o que acontecia dia
após dia, todas aquelas acusações sendo feitas, não tínhamos
idéia do que ocorreria conosco.
PALADINO - Foi um tempo muito emocional e aquelas acusações contra nós... Em respeito às famílias, ficamos em silêncio. Nós queríamos que os fatos
surgissem, sabíamos que isso
eliminaria as falsas acusações.
Nunca pensamos que ficaríamos tanto tempo detidos no
Brasil. Assim, nós tínhamos
medo. A nossa liberdade estava
sendo tirada de nós.
FOLHA - Vocês estão muito pálidos.
Não foram nenhuma vez à praia?
TORRICELLA - Ficamos praticamente dentro do hotel [no Rio],
mas em pelo menos duas oportunidades conseguimos sair.
FOLHA - A festa de recepção para
vocês em Nova York, com tapete
vermelho e tudo, pegou mal no Brasil. Afinal, 154 pessoas morreram.
TORRICELLA - A razão foram as
acusações falsas contra eles [pilotos]. Se as pessoas soubessem
a verdade, não reagiram assim.
FOLHA - Vocês realmente se sentem heróis, apesar da tragédia?
PALADINO - Apenas fizemos o
nosso trabalho.
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