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São Paulo, palco e bastidores
A cidade sempre foi pano de fundo da carreira e da vida da dupla de atrizes, vozes paulistanas freqüentes na televisão desde os anos 50
CLÁUDIA CROITOR
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Naquele tempo, Nair Belo era
"igual a essas meninas da novela
"Celebridade". "Eu entrava em
concurso, eu fazia qualquer coisa,
eu queria ser atriz", conta ela.
Qualquer coisa incluía se candidatar ao concurso de Miss Objetiva (o júri era composto por fotógrafos), promovido pela TV Tupi
e que talvez fosse um trampolim
para a fama.
Aquele tempo era o comecinho
dos anos 50, e Lolita Rodrigues já
era estrela da emissora paulista.
Cantava, apresentava programas
e estava começando a realizar o
sonho de ser atriz.
Nair não ganhou o concurso de
miss (nem a jovem Hebe Camargo, que também participou e ficou em segundo lugar), mas saiu
de lá amiga de Lolita. E, mais tarde, também se tornou atriz.
Na São Paulo dos anos 40, ainda
sem TV, o caminho da fama passava necessariamente pelo rádio.
Na Excelsior, em 1949, antes de
tentar ser miss, Nair fez um teste e
foi aprovada. Começava aí a carreira que já vai completar 55 anos.
"Minha mãe, como boa descendente de italianos, ficou doente
uns seis meses. Era "minha filha
virou prostituta", sabe?"
Pela vontade da mãe, Nair, hoje
com 72 anos, seria uma excelente
dona-de-casa, e só. "Sou diplomada em corte e costura, bordado
e pintura."
Na escola, só fez até o primário
em um grupo escolar do Cambuci, onde morou durante toda a infância, até se mudar para o Ipiranga, com 14 anos.
"Mas sempre observei muito as
pessoas, o jeito de falar, queria
aprender a falar direito." Um dia,
soltou um "nóis vai" na frente do
produtor e apresentador Blota Jr.,
que se tornaria seu padrinho pessoal e profissional. "Ele me disse:
"Se você falar assim de novo, você
volta para o Ipiranga e nunca
mais vem para a rádio"."
Aprovada no teste da Excelsior,
Nair logo chamou a atenção dos
diretores e foi para a Record, que
ficava na esquina da rua Quintino
Bocaiúva com a rua Direita, no
centro. "Essa moça é muito talentosa, diziam de mim."
Mas havia uma pedra no caminho da carreira de rádio-atriz dramática: as risadas.
"Eu ria de tudo, era impressionante. Fazia novelas, teatro, tudo
ao vivo, e eu vivia tendo ataques
de riso, um horror. Até que um
dia o Manoel Durães [um dos pioneiros do radioteatro] gritou: "Tirem essa louca daqui"."
Blota Jr., na época diretor artístico da Record, sugeriu que a moça se tornasse locutora. E assim
foi. Mas as risadas continuavam, e
um dos seus maiores acessos de
riso veio com um erro de locução
do colega. "Comecei a rir muito,
muito, fazia sinal para o sonoplasta aumentar a música. Mas, para
meu azar, o doutor Paulo Machado de Carvalho estava ouvindo a
rádio naquele momento."
E a ordem dessa vez veio do dono da emissora: "Tirem essa louca
daqui".
Lolita, 74, não ria tanto, cantava.
Nascida em Santos, batizada Sílvia, descendente de espanhóis,
mudou-se para a capital aos 13
anos. Pianista, ganhou uma bolsa
de estudos de um conservatório
paulistano para continuar o
aprendizado do instrumento, iniciado no litoral.
Morava no bairro do Tatuapé e
tomava diariamente o bonde Penha-Sé para ir às aulas de piano.
"Passava todo dia pela praça da
Sé, onde tinha um grande terminal de ônibus. Às vezes ficava
mais de uma hora por ali."
Para a então desconhecida Nair,
a popular praça da Sé, no entanto,
era tão distante quanto uma viagem a Nova York. "Naquele tempo eu não podia andar sozinha, e
minha mãe quase não me levava.
Para ir do Cambuci, onde morávamos, até lá, tínhamos de tomar
bonde, não era fácil. Íamos mesmo é para o museu do Ipiranga,
todos os domingos. Depois que
eu fiquei moça, para mim era uma
aventura andar no centro", diz.
Para Lolita, era diferente. "Nova
York era a avenida São João.
Aquilo era muito bonito, muito
chique. Tinha o Cine Metro, era
uma loucura ir lá na matinê de sábado, chiquérrimo. Aliás, a cidade
toda era muito chique. Para entrar no auditório da rádio Tupi,
por exemplo, só se o homem
usasse terno e gravata. Moça de
calça comprida, nem pensar"
Lolita freqüentou muito o auditório da rádio. Cantora de música
espanhola desde os dez anos, aos
15 também fez teste e foi contratada pela Bandeirantes. Em 1946, foi
para a Tupi, onde continuou cantando.
"Mas eu queria ser atriz, então
comecei a participar de novelinhas de rádio", conta. Em 1950
veio a televisão, e lá estava ela na
inauguração da TV Tupi, a mesma do concurso de miss, cantando o "hino da televisão".
"Sou a única pessoa que sabe
cantar esse hino. Que, aliás, é um
horror."
Na TV, Lolita, que a essa altura
já era professora primária formada, cantava e apresentava, mas
continuou querendo ser atriz.
"Pedia para o Cassiano [Gabus
Mendes] me deixar fazer teleteatro. Aí eu entrava, fazia uma cena
um dia, outra fala no outro dia...
Igual ao que eu faço hoje em "Kubanacan", diz, rindo, sobre seu
papel de pouco destaque na atual
novela das sete da Rede Globo.
Pouco depois, viveu sua primeira protagonista em "O Corcunda
de Notre Dame", exibida às terças
e quintas. Mas o grande marco da
sua carreira teve início no final
dos anos 50, com sua entrada,
junto com o então marido Ayrton
Rodrigues, para apresentar o "Almoço com as Estrelas".
O casal deixou a emissora em
1960 para voltar 13 anos depois,
após passagens pela TV Excelsior
e TV Record, e se tornar programa obrigatório nos sábados dos
paulistanos, com o "Clube dos
Artistas" e a volta do "Almoço".
Para comer a maionese com
pintado na brasa na Tupi -segundo Lolita, era o mesmo prato
todo sábado-, aparecia "todo
mundo que hoje é cartaz".
O primeiro programa em que
Elis Regina esteve em São Paulo
foi lá. Nara Leão, Marlene, Jair
Rodrigues... "Esse ia lá só para filar a bóia. Demos a ele o apelido
de "garfinho de ouro"."
Ao "Clube dos Artistas" compareciam inclusive aspirantes a celebridades internacionais.
Certa vez, lembra Lolita, na época em que o programa já era gravado, e não mais ao vivo, a madrugada avançava e o cantor convidado não chegava.
"Todos os figurantes estavam
dormindo. Aí a produção colocou
um papel na minha mão para que
eu apresentasse: "Cantor espanhol que já foi jogador de futebol". As câmeras foram ligadas,
os figurantes acordando, e entra o
Julio Iglesias. Aquele homem lindo, às 3h manhã, cantando de graça no nosso programa. E o pior é
que quase ninguém aplaudiu."
Nair continuou na rádio até
1953, quando deu um tempo na
carreira para casar e ter filhos. Como não tinha desistido de ser atriz
nem parado de rir, resolveu mais
uma vez seguir o conselho do padrinho Blota: foi fazer comédia.
Passou a integrar o humorístico
"Super Flit", no qual tinha como
colega de elenco o cantor e compositor Adoniran Barbosa.
Voltou à ativa em 58, quando a
TV já estava bem estabelecida em
São Paulo, e virou garota-propaganda. Até que, no início dos anos
60, foi convidada por Renato Corte Real para o humorístico "Epitáfio e Santinha", exibido na TV Record. "Dávamos 90 pontos no
ibope, era absurdo."
Tanto prestígio e 14 anos na
emissora, no entanto, não foram
suficientes para que Nair recebesse um convite para a festa de 50
anos da Record, em 2003.
"Esqueceram de mim. Fui para
lá muito antes que [Ronald] Golias, que Hebe, que todos. O Paulinho Machado de Carvalho foi
meu padrinho de casamento, o
Blota Jr. também. Todo mundo
foi lembrado, menos eu. Não sei
porquê, também não perguntei.
Ajudei a fazer a história da Record, mas, enfim...", diz. E completa, rindo: "No dia em que eu
encontrar com o bispo, vou dizer:
"bispo, alguém lá em cima não
gostou do que o senhor fez comigo, hein?'"
De sua época na emissora, Nair
diz sentir saudades dos jantares
no Gigetto, da rua Nestor Pestana,
reduto de artistas, boêmios e
companhia. "Giovanni Bruno
[dono de restaurante em SP] na
época era garçom. Os artistas iam
lá, sem dinheiro, e ele servia um
prato enorme para que eles dividissem em quatro, cinco, e pagassem pouco", afirma.
De criança, a lembrança é da comida do primeiro restaurante Fasano. "Meu pai tinha um clube de
jogo no edifício Martinelli [centro
de SP]. Quando ele saía de lá, passava no restaurante do [Fabrizio]
Fasano, na praça Antonio Prado,
e levava as coisas para casa. Era
muito bom."
O clube de jogo veio depois que
seu pai foi reformado no Exército.
Tenente, ele "fez parte da história
de São Paulo": lutou contra Getúlio Vargas na revolução de 1932.
"A gente tinha muitas fotos dele
de farda, perto do canhão. Olhávamos com orgulho, sabe?"
Hoje, 50 e tantos anos depois de
se conhecerem no concurso de
miss, Lolita e Nair continuam
amigas e continuam atrizes. Até o
final da semana, atuarão juntas
em "Kubanacan".
Gravam no Rio, mas permanecem morando em São Paulo. Como antigamente, Nair continua
indo às vezes comer a comida do
Fasano. "Outro dia estava lá com
o velho, o Fabrizio, lembrando
histórias do passado", diz.
"Não é saudosismo, mas São
Paulo era muito diferente, muito
tranqüila. Bom, é saudosismo
sim", afirma.
Lolita diz que hoje não sai muito. "Gosto de ficar em casa fazendo palavras cruzadas." Quando
sai, passeia nos Jardins, na Oscar
Freire e na rua Augusta. "Adoro
andar por ali, nunca vou gostar de
fazer compras no shopping." Mas
seu lugar preferido em São Paulo
é outro: "Eu gosto mesmo é da
avenida Brasil, sempre gostei.
Acho aquele lugar um encanto".
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