São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2009

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GILBERTO DIMENSTEIN

A química entre Obama e o menino prodígio de Curitiba


No lugar de um excluído, vamos ganhar um escritor e um professor. E eles ganham seu primeiro presidente negro


BARACK OBAMA perderia as eleições se não fosse um negro bem-sucedido nas escolas da elite branca. Até o ensino médio, Obama se destacou mais pela sua habilidade no basquete do que pelo desempenho acadêmico em um tradicional colégio privado do Havaí, onde era um dos poucos negros. Criado sem pai e envolvido, na adolescência, com álcool, maconha e cocaína, ele próprio admite que transmitia mais a imagem de ser outro negro desajustado e sem maiores perspectivas do que a de um futuro líder.
Com apoio da família, especialmente da avó materna, teve a base necessária para entrar em Columbia e Harvard. Chamou a atenção do mundo acadêmico americano por ter sido o primeiro negro a presidir a revista de direito de Harvard, prestigiada mundialmente. Daí foi disputado a tapa pelas melhores universidades americanas e acabou professor em Chicago.
Como agente comunitário em Chicago, Obama gerenciava programas de educação para o trabalho e preparação para a entrada das minorias, especialmente negros, no ensino superior.
Essa trajetória me dá a expectativa de que sua posse, na próxima terça-feira, seja o início de um extraordinário impulso em experiências de inclusão úteis aos brasileiros.

 


Compreensivelmente, o mundo está esperando do futuro presidente ações emergenciais para a crise, além do encaminhamento para os conflitos armados, começando com a guerra entre Israel e Hamas.
Mas seu mandato fará pouco sentido se ele não aumentar a inclusão das minorias no geral e dos negros em particular. Isso não ocorre sem a melhoria da rede pública, onde, como no Brasil, se reclama da repetência, da evasão, da violência e das baixas notas. Num gesto que beira o desespero, estão dando prêmios mensais em dinheiro aos estudantes (cerca de U$ 400) condicionados às notas e ao bom comportamento.
Obama defende que o ensino superior, em alguma modalidade, deve ser universalizado e prometeu colocar dinheiro na mão dos mais pobres para cursar uma faculdade; o pagamento será feito com trabalhos comunitários.

 


Obama está se propondo a estimular ou criar fundos para atrair talentos, nem que seja apenas por um tempo, para dar aulas em escolas das regiões mais pobres. Pretende dar mais dinheiro aos professores mais experientes e criativos que se disponham a tutorar seus colegas mais novos ou com dificuldades. Propôs também mais dinheiro ao professor com base no desempenho dos alunos -um projeto que, assim como no Brasil, enfrenta forte oposição dos sindicatos, avessos à meritocracia.
O futuro presidente prometeu mais força ao movimento, iniciado nos anos 1990, de entregar a gestão de escolas públicas para a sociedade, com autonomia para contratar, demitir e criar seus próprios currículos. São obrigadas, porém, a atingir as metas. É, em essência, uma PPP (parceria público-privada).
Outro ponto importante do programa é a ampliação do atendimento às crianças de zero a três anos; já se sabe que essa fase é fundamental para o desenvolvimento das habilidades para o resto da vida.

 


Obviamente, a crise econômica vai consumir muita energia e dinheiro do novo governo. Mas é inevitável que, pelo menos em parte, os projetos de inclusão saiam do papel -seria como imaginar Lula, uma vez eleito, sem um programa para mostrar aos pobres.
Embora em pequena escala, o Brasil começa a testar projetos inovadores (e por serem inovadores apanham de todos os lados), como o bônus por desempenho dos professores, gestão compartilhada das escolas públicas, envolvimento da comunidade na educação, parceria com empresários, montagem de redes com os mais diversos recursos públicos e privados integrados às salas de aula.
Obama é a esperança de que os Estados Unidos sejam vistos e usados como um gigantesco laboratório de experiências de inclusão social o que servirá para os brasileiros como um valioso estímulo e aprendizado.

 


PS -Todo esse debate sobre Obama e a educação pode ser resumido em Guilherme Souza, o menino de 13 anos que, na semana passada, entrou em primeiro lugar no curso de química da Universidade Federal do Paraná. Vindo de uma família pobre (a mãe é diarista e o pai, motorista), era um marginal na escola pública. Com apoio de uma empresa (BS Colway), conseguiu ajuda para estudar numa das melhores escolas do Paraná, o Colégio Bom Jesus. Seu projeto: escrever livros didáticos e ser professor de química. É a área em que mais faltam professores nas redes públicas.
Em essência, a química que projetou Obama e Guilherme são as mesmas -chegaram aonde chegaram porque tiveram de prosperar nas escolas da elite branca. No lugar de um excluído, vamos ganhar um escritor e um professor. E eles ganham seu primeiro presidente negro.


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