São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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TRABALHO INFANTIL

Quase um em cada quatro menores de 14 anos, 24,3%, faz bico em feiras ou atua como ambulante

62.290 crianças trabalham em São Paulo

MELISSA DINIZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Quinta-feira, 22h30, os termômetros registram 15C em São Paulo. Apesar do frio e da chuva, Luana, 7, vende balas e chicletes em bares da cidade. Como ela, 62.290 crianças da região metropolitana de São Paulo, entre cinco e 14 anos, trabalham -24,3% na feira ou como ambulantes.
Os dados são resultado de um estudo feito pela professora Ana Lúcia Kassouf, do departamento de economia da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), da USP de Piracicaba, baseado nas informações da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 99, que contém as informações mais recentes sobre trabalho infantil no Brasil.
No estudo, a professora faz uma atualização dos números presentes em sua tese de livre-docência, defendida na Universidade de São Paulo, em 1999, na qual aborda o trabalho de crianças no país.
Com base na Pnad, Ana Lúcia também estudou a contribuição de crianças de cinco a 14 anos na renda familiar. A pesquisadora aponta que, para 35% das famílias da região urbana do país e para 46% das famílias da zona rural, a participação das crianças na renda é maior do que 20%.
Para Ana Lúcia, os dados revelam que as características socioeconômicas das famílias levam as crianças a trabalhar. "Não é só a renda baixa que contribui, mas o grau de escolaridade dos pais também. Só com incentivo as crianças estudam e saem do ciclo de pobreza em que estão hoje".
Segundo a professora, não há dúvidas de que o trabalho -proibido para menores de 16 anos no Brasil, com exceção dos casos em que os adolescentes são aprendizes- seja ruim, mas, em alguns casos, afirma, os pais não têm alternativa para sobreviver se não contarem com a ajuda dos filhos.
Apesar da proibição, o Unicef estima que cerca de 4 milhões de crianças entre cinco e 16 anos trabalhem no Brasil. Para psicólogos, o trabalho na infância faz com que a criança pule uma fase do desenvolvimento, o que pode transformá-la num adulto precoce e sem expectativas.
Luana (para preservar a identidade das crianças, os nomes são fictícios), que ganha em média R$ 160 por mês, diz que o dinheiro é usado para comprar roupas e comida. Ela e os sete irmãos vendem balas à noite nos bares da Vila Madalena, zona oeste da capital.
A menina chega por volta de 20h e só vai embora às 5h. Do alado de fora do bar, seu irmão, de 11 anos, a observa, mas Luana está com fome e come alguns dos doces que tem para vender. No dia seguinte, ela ainda vai à escola.
A poucos metros dali, João Carlos, 14, tenta convencer os fregueses de um bar a engraxar os sapatos. "Já cuidei de carro, já trabalhei na feira e já vendi bala", conta o menino, que começou a trabalhar com 11 anos e, desde então, abandonou a escola. "Estou comprando o material aos poucos. Não gosto da escola, mas vou ficar engraxando sapatos a vida toda?"
A vendedora de flores artificiais Marina, 9, aluna da terceira série, diz que um amigo a convidou para trabalhar. "Ganho uma "caixinha" e aproveito para comprar roupas e ir à lanchonete", diz.
Donos de bares afirmam que sempre há um adulto ao lado das crianças. "Às vezes é algum parente, mas também acontece de darem dinheiro para a mãe e trazer as crianças", diz um proprietário que não quis se identificar.


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