São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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TRABALHO INFANTIL

Especialistas acreditam que atividade precoce prejudica desenvolvimento e gera adulto inseguro

Tuca Vieira/Folha Imagem
Luana, 7 anos, que vende balas à noite em bares da Vila Mariana, na zona oeste de São Paulo


Psicólogos dizem que idade é de brincar

DA REPORTAGEM LOCAL

As responsabilidades assumidas com o trabalho prejudicam o desenvolvimento das crianças e podem gerar adultos inseguros e até violentos, segundo psicólogos ouvidos pela Folha.
"A criança é forçada a se transformar em um adulto sem ter desenvolvido a estrutura necessária para isso. Pular essa fase da vida traz danos que podem prejudicar a sua capacidade de ter uma vida prazerosa", afirma o psicólogo e professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Assis, Nelson Silva Filho.
Para o professor, não só as crianças, mas também as famílias, são vítimas da omissão do Estado, que deveria oferecer condições para todos viverem dignamente.
"Culpar a família é temerário, estamos detectando uma situação muito perversa que parte do fato de o Estado não estar cumprindo seu papel", afirma Silva Filho.
De acordo com Rosane Schiller, psicóloga da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e do Colégio Santo Américo, o trabalho obriga a criança a estabelecer quase todas as suas relações com adultos, o que acaba por afastá-la do universo infantil. "Todo relacionamento com adultos gera aprendizado, pode ser de coisas boas ou ruins, mas algo está sendo passado às crianças", afirma.
Para Rosane, a falta de tempo para brincar e conviver com amigos da mesma idade priva as crianças de elaborar seus conhecimentos sobre o mundo através da brincadeira. "A criança experimenta coisas antes de fazer, brinca de ser professora, aeromoça, e essa experimentação é importante. O problema de não brincar está exatamente em ir direto para o ato, sem preparação", diz
Segundo a psicóloga, mesmo as crianças que afirmam gostar de trabalhar, pelo fato de poderem ajudar os pais, não têm consciência do que dizem. "Esse discurso de ajudar a família é mentira, é a reprodução do discurso dos pais. Uma criança não tem condições de achar isso, ela é incapaz de construir um sentimento de solidariedade a esse ponto", afirma.
Maria Dirce Benedito, psicóloga do setor de saúde mental do departamento de pediatria da Unifesp, acredita que o amadurecimento precoce das crianças, que vem com o trabalho, não é saudável. "Nessa idade, elas deveriam estudar e brincar. É na brincadeira que a criança exercita a fantasia e a criatividade. Isso faz com que ela tenha uma condição intelectual melhor no futuro", diz.

Programas

Mesmo para os aprendizes, o trabalho noturno é proibido no Brasil e considerado nocivo. Entre as políticas do governo federal para tentar resolver o problema está o Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil).
O programa, que se compromete a erradicar as formas mais prejudiciais de trabalho, atua desde 1996 na inserção imediata da criança na escola, oferta de jornada ampliada e fornecimento de uma bolsa (R$ 25 na área rural e R$ 40 na urbana) para compensar a renda que a criança daria à família. Cerca de 800 mil crianças são atendidas pelo Peti no país.
Apesar de já estar em funcionamento há seis anos, o Peti só chegou à cidade de São Paulo há cinco meses. Segundo a Secretaria da Assistência Social, apenas 909 crianças são atendidas na capital.
Além de ganhar a bolsa, as crianças passam a frequentar o Espaço Gente Jovem, que oferece atividades esportivas, culturais e de lazer no horário extracurricular. Para isso, os pais assumem o compromisso de garantir que elas tenham uma frequência escolar mínima de 70%.
No município, há também o programa Renda Mínima, que dá uma ajuda financeira (entre R$ 20 e R$ 220) às famílias para que as crianças possam estudar. Segundo a prefeitura, cerca de 200 mil famílias são beneficiadas.
De acordo com o secretário municipal do Trabalho, Márcio Pochmann, a lei do programa não proíbe a criança de trabalhar, mas as famílias assinam um termo comprometendo-se que isso não acontecerá. "Se verificarmos que ela trabalha, eles perdem o benefício", disse Pochmann.
Para o secretário, a atuação das crianças como ambulantes na cidade é resultado da falta de fiscalização do Ministério do Trabalho.
Segundo a chefe de fiscalização do ministério no Estado de São Paulo, Roseli Nietto Piovezan, as denúncias sobre trabalho infantil na cidade são poucas.
"É dificílimo fiscalizar o trabalho infantil nas ruas. Já tentamos fazer uma abordagem com crianças que trabalham com panfletagem em semáforos, mas elas se assustam, não querem conversar. Nesse ponto, é importante o trabalho que as ONGs têm feito, conscientizando as crianças para o futuro", afirma. (MELISSA DINIZ E TEREZA NOVAES)

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