|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
WALTER CENEVIVA
ANAs em turbulência
A Anac acabou simbolizando o lado pior das agências reguladoras, com setores de direção estranhos ao meio
A PARTIR DE MEADOS dos anos
90, a burocracia brasileira
passou por uma transformação que assustaria até Max Weber se
vivo fosse (1864-1920). Refiro-me às
ANAs do título, ou seja, às agências
nacionais reguladoras, das quais a
Agência Nacional de Águas, de
2000, é exemplo característico.
Destinaram-se a gerir matérias
submetidas ao monopólio da União,
com a elasticidade marcada por leis
sucessivas que compuseram, no último decênio do século 20, a Aneel
(da energia elétrica) no final de 96, a
Anatel (das telecomunicações) e a
ANP (do petróleo), ambas de 97, e a
Anvisa, para a vigilância sanitária,
em 99. Hoje são 12, além do Dnit
(Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transporte).
O leitor tem todo direito de perguntar o que Max Weber (sociólogo
e professor alemão de economia política) tem a ver com tantas siglas
brasileiras (inclusive a célebre
Anac). Foi Weber quem, sobretudo,
em dois volumes, sob o título "Economia e Sociedade", escreveu a respeito dos problemas da burocracia,
de sua indispensabilidade, mas também de seus defeitos -entre os
quais a complicação tortuosa dos ritos, desde o difícil acesso do público
à demora no decidir.
Num Brasil de burocracia lusitana, as agências se destinaram a ultrapassar limites próprios da administração tradicional, estendidos, ao
longo dos anos, pelos burocratas, até
o congestionamento, que só alguns
deles conseguem desvendar. Quando conseguem fazê-lo.
Weber entra nisso também porque, para ele, o funcionalismo de
carreira se manifesta pelas competências oficiais, com poderes de
mando necessários e bem divididos,
capacitados "para o cumprimento
regular e contínuo dos deveres assim distribuídos e o exercício dos direitos correspondentes".
Acontece que a burocracia tem,
como objetivo precípuo, manter o
poder, assegurar influência permanente, afastar estranhos. No Estado
Democrático de Direito, com eleições sucessivas, os estranhos surgem sempre, com idéias que lhes parecem novas e geniais (às vezes são).
Fazem da placidez burocrática um
mar revolto. Atacam de fora da burocracia, sob a alegação (às vezes
correta) de que são vítimas do
cupim da estagnação.
Assim nasceu a onda das agências
reguladoras, com diretores eleitos e
não removíveis, salvo em poucas exceções. Livres (em tese) da interferência política. Em tais agências a
escala das promoções, com suas
áreas de influência e as tomadas de
decisão, não é a da burocracia dos
quadros normais. Elas exigem, porém, uma contrapartida indispensável, na competência e na probidade
dos escolhidos, com experiência na
respectiva área de atuação.
Nesse campo, a Anac andou mal
no campo da competência, conforme se vê de seu retrospecto, desde
meados do ano passado. A Anac acabou simbolizando o lado pior das
agências reguladoras, com setores
de direção estranhos ao meio, escolhidos no toma-lá-dá-cá da política.
Não souberam enfrentar os problemas do segmento ao qual deveriam
regular, corrigir, impulsionar. Seu
mau exemplo, contudo, não justifica
reformulação radical. As ANAs, sem
partidarização exagerada, tendem a
compor bons mecanismos administrativos, que não dispensam, contudo, opções mais ágeis de verificação
técnica de sua qualidade e da capacitação dos dirigentes escolhidos.
Texto Anterior: Para TJ, vaga grátis para idoso em viagens é inconstitucional Próximo Texto: Livros jurídicos Índice
|