São Paulo, sexta, 18 de setembro de 1998

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SAÚDE
Denúncia foi feita depois da morte de uma mãe, na Bahia, em parto assistido por uma auxiliar de enfermagem
Médicos ganham por parto que não fazem

AURELIANO BIANCARELLI
da Reportagem Local

Entidades que defendem o parto humanizado estão denunciando a falta de atenção médica que estaria ocorrendo em muitas clínicas e maternidades do país.
Em diversas cidades, os nascimentos normais estariam sendo realizados por atendentes e auxiliares de enfermagem, sem a presença de médico ou enfermeira especializada. Apesar de ausente, é o médico que recebe do SUS por parto realizado.
A falta de atenção médica é uma das principais responsáveis pela mortalidade materna, que chega a 140 mortes por 100 mil nascidos vivos, taxa 30 vezes maior que nos países desenvolvidos.
A denúncia voltou a ser feita nesta semana, depois que uma mulher morreu durante o parto em uma clínica de Jequié, no interior da Bahia. O médico responsável estaria almoçando fora e o parto teria sido feito por uma auxiliar de enfermagem. A mulher, Leila Ramalho Boaventura, 19, morreu de hemorragia cerca de três horas depois do nascimento da criança.
A família fez um boletim de ocorrência e a polícia enviou material para análise toxicológica no Instituto Médico Legal de Salvador. Uma denúncia está sendo encaminhada ao Conselho Regional de Medicina. O médico e sócio da clínica Servir, Evandro Célio Neri Novaes, disse que estava presente ao parto e que toda a assistência foi oferecida. "Estou à disposição do conselho para qualquer averiguação", afirmou.
Leila foi internada na manhã do último domingo e morreu no início da tarde. "So me deixaram entrar quando ela já estava morta", disse Ana Paula dos Santos, 23, prima de Leila. "A cama estava encharcada de sangue. Auxiliares disseram que ela pedia ajuda e não havia médico."
Segundo a ONG Cais do Parto, do Recife, principal entidade que trabalha com a questão do nascimento, a realização de partos dentro de hospitais sem a presença do médico é prática corrente em quase todo o país.
"Estamos chamando a atenção do Ministério da Saúde para esse problema", afirmou Sueli Carvalho, enfermeira, parteira e uma das coordenadoras da Cais do Parto. Sueli é também uma das coordenadoras da Associação Nacional de Parteiras.
Segundo ela, há uma grande incoerência na política de nascimento adotada no país: por um lado, o parto é altamente "medicalizado" e tratado como se fosse uma doença; por outro, a mulher é desrespeitada e abandonada dentro do próprio hospital.
"De acordo com a lei, assim que a paciente entra no hospital, o médico e o diretor-clínico são responsáveis pela sua vida", afirma Sueli. "Uma auxiliar não pode ser responsabilizada."



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