São Paulo, segunda-feira, 18 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Especialista defende vistoria anual em edificações

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

O desabamento do edifício Areia Branca, na região metropolitana de Recife (PE), não foi o primeiro a deixar vítimas neste ano. Em Guarulhos (SP), seis pessoas morreram quando uma pista de dança ruiu, há dois meses. Em abril, uma pessoa morreu na queda de um ginásio em Natal (RN).
Uma medida que pode diminuir o risco dessas tragédias é a criação de uma lei que exija vistorias anuais para atestar a estabilidade de uma construção, afirma o engenheiro Carlos Alberto Martins, 55, coordenador da câmara de engenharia civil do Crea-SP (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de São Paulo) e especialista em projetos estruturais.
Segundo Martins, essa proposta amplia o que já é feito atualmente nos clubes paulistas: todo ano, um engenheiro ou arquiteto verifica a segurança estrutural desses locais. O trabalho se soma à vistoria que é feita pelo Corpo de Bombeiros para assegurar a eficácia do sistema contra incêndio.
Leia a seguir trechos da entrevista com Martins.
 

Folha - Por que tantos casos de desabamento têm acontecido?
Carlos Alberto Martins -
As causas são várias. As principais são erro de projeto, erro na execução da obra, modificação no uso do imóvel e reformas sem acompanhamento de profissional habilitado. Além disso, uma escavação ao lado do prédio também pode afetar, assim como o rebaixamento do lençol freático.

Folha - Mas quais as causas dos erros de projeto ou de execução? A formação profissional é deficiente?
Martins -
O número de escolas de engenharia tem aumentado muito no país, e isso coloca no mercado profissionais sem habilidade técnica. O Ministério da Educação deveria ter atuação mais efetiva nesse sentido. Outro fator é a redução da carga horária dos cursos. A nova LDB [lei de diretrizes e bases] deixa as escolas resolverem a grade curricular.

Folha - O senhor defende a criação de um exame como o da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil)?
Martins -
Alguns defendem um exame de habilitação, [mas] ele é complicado porque temos muitas modalidades profissionais, como engenheiro civil, elétrico, florestal. Outros defendem que o próprio sistema profissional deveria estabelecer o currículo mínimo. Defendo ou isso ou a habilitação gradativa: o recém-formado poderia trabalhar, mas não assumir obras de maior porte. Com o tempo, ganharia mais atribuições.

Folha - E quanto à formação dos outros profissionais?
Martins -
A mão-de-obra na construção civil no país é lamentável. Não temos cursos suficientes. Pedreiros e carpinteiros aprendem na prática, com pessoas que às vezes ensinam errado. Para o engenheiro, é difícil materializar um projeto com um profissional que não sabe ler a planta.

Folha - Como o cidadão comum pode saber se um apartamento que está comprando é seguro?
Martins -
O primeiro passo é averiguar a experiência dos profissionais envolvidos. Não comprar só porque o catálogo é bonito, mas pesquisar sobre a empresa, o profissional.

Folha - Qual a atuação do Crea nessa questão da segurança?
Martins -
O Crea fiscaliza o registro profissional, não pode entrar na questão da competência ou experiência. Se houver um desabamento, o conselho abre processo para verificar o que ocorreu, mas não pode embargar uma obra irregular. E para suspender um profissional, ele tem que reincidir três vezes no mesmo erro.

Folha - Qual a sua previsão para novos casos de desabamentos?
Martins -
Se não forem tomadas medidas, a população vai crescendo, os imóveis se deteriorando, novos serão construídos e poderemos ter um aumento de desabamentos nessa mesma proporção. Temos que criar mecanismos, como essa vistoria anual, que não vai eliminar, mas diminuirá esse tipo de ocorrência, porque um prédio avisa que vai cair. Mas, às vezes, as pessoas deixam esse aviso por isso mesmo.


Texto Anterior: Pernambuco: Inquérito policial investigará desabamento
Próximo Texto: Acidente: Motorista que atropelou 16 em danceteria da Vila Olímpia é solto
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.