São Paulo, segunda-feira, 18 de outubro de 2004

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MÉDICOS AVENTUREIROS

Expedicionários da Saúde, de Campinas (SP), fazem 100 cirurgias em tribos do Alto Rio Negro

ONG opera índios na floresta amazônica

Gustavo Magnunsson
Índio é operado por integrantes da ONG Expedicionários da Saúde


FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL

Em uma mochila, eles carregam anestesia, curativos e bisturi, na outra, repelente, motosserra e laptop. Misto de médicos e aventureiros, os integrantes da ONG Expedicionários da Saúde voltaram há três semanas para sua sede, em Campinas, no interior de São Paulo, com a marca de 100 cirurgias realizadas em índios de tribos isoladas da Amazônia.
Essa foi a terceira viagem do grupo de voluntários, formado por médicos e empresários que, desde 2002, enfrentam centenas de quilômetros de rios para operar membros de comunidades indígenas em alguns dos territórios mais inóspitos do país, na fronteira com a Colômbia.
Eles trabalham na região do Alto Rio Negro, que abriga cerca de 15% dos 200 mil índios brasileiros e ocupa uma área equivalente à metade do Estado de São Paulo. A distância e o trânsito feito exclusivamente por barcos de pequeno porte -chamados de voadeiras- dificulta o acesso dessas comunidades à saúde.
O atendimento básico é feito por entidades conveniadas com a União, que também percorrem as áreas ribeirinhas distribuindo medicamentos e tratando os casos mais simples. Nas tribos, os índios utilizam ervas em rituais shamânicos para tratar de doenças nativas.
O problema são os casos mais graves, com necessidade de intervenção cirúrgica. Apenas dois médicos aptos a fazer operações trabalham na área, onde vivem 30 mil pessoas.
Saindo das tribos mais afastadas, a viagem pode levar cinco dias até São Gabriel da Cachoeira, a cidade mais próxima. De lá até Manaus, onde há hospitais mais preparados, são pelo menos outros três dias. E muitos casos têm de ser transferidos para São Paulo ou Brasília. Já houve pacientes nos últimos anos que faleceram durante o longo trajeto.
"Nossa idéia é manter o índio em seu habitat natural e evitar o contato desnecessário com o ambiente das cidades, que podem trazer doenças novas e aumentar os casos de alcoolismo", diz o ortopedista Ricardo Affonso Ferreira, um dos coordenadores dos Expedicionários da Saúde -que surgiu a partir de um grupo de amigos que fazia caminhadas ecológicas pelo país.
A primeira viagem, em novembro de 2002, foi de reconhecimento da área. Na segunda, em fevereiro deste ano, os médicos campineiros fizeram 60 cirurgias. Na última expedição, 100, a maioria de oftalmologia -principalmente de catarata.

Profissionalização
Com um anestesista na equipe, puderam também fazer intervenções mais complexas, como cirurgias ortopédicas e até a extração do apêndice de um jovem de 16 anos, que corria risco de morte.
A ONG está se profissionalizando e captando recursos junto a grandes empresas de Campinas. Com mais dinheiro, puderam levar geradores de 380 kg e um ultra-som adaptado a um laptop, para fazer diagnósticos mais precisos dos pacientes.
"Não foi fácil transportar tudo isso com um calor de 40 graus e tendo que desmontar e remontar o equipamento a cada cachoeira que tínhamos de desviar, rolando o casco da voadeira sobre troncos de árvores pelo meio do mato", conta Ferreira.

Escambo
Outra adaptação necessária ao navegar entre as tribos foi aderir ao sistema de escambo, ainda praticado pelas comunidades do Alto Rio Negro. Pilhas são trocadas por peixes para o almoço. Fumo por milho. Pimentas viram o pagamento simbólico pelas cirurgias. "Papel-moeda não significa nada por lá", diz o ortopedista, que já prepara uma novidade para a nova expedição, no início de 2005: a confecção de tendas móveis, que permitirão cirurgias mais complexas (que requerem isolamento total) nas aldeias mais distantes.


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