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RUBEM ALVES
As estrelas brilham, os homens sofrem
Os olhos da Igreja Católica só vêem as estrelas. E é do seu olhar para as estrelas imóveis que ela deseja governar a Terra
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RETORNAMOS ÀS ETERNAS estrelas do céu e aos efêmeros
jardins da Terra... Os que
olham para as estrelas dizem possuir a verdade. Mas os que olham para os jardins sabem que tudo o que
sabem é provisório.
Os olhos da Igreja Católica não
vêem jardins; só vêem as estrelas. E
é do seu olhar para as estrelas imóveis que ela deseja governar a Terra.
Já os jardineiros sabem que há muitos jardins diferentes, nenhum deles
é verdadeiro, mas todos são belos...
Todos os que pretendem possuir a
verdade estão condenados a serem
inquisidores. Para explicar esse
ponto vou transcrever um pequeno
trecho do filósofo polonês Leszek
Kolakowski que tem o título "Em
louvor à inconsistência".
"Falo de consistência em apenas
um sentido, limitado à correspondência entre o comportamento e o
pensamento. Assim, considero como consistente um homem que,
possuindo um certo número de conceitos gerais e absolutos, esforça-se
honestamente em tudo o que faz,
em todas as suas opiniões sobre o
que deve ser feito, para manter-se
na maior concordância possível com
aqueles conceitos. Por que deveria
qualquer pessoa, inflexivelmente
convencida da verdade exclusiva
dos seus conceitos relativos a qualquer e a todas as questões, estar
pronta a tolerar idéias opostas? Que
bem pode ela esperar de uma situação em que cada um é livre para expressar opiniões que, segundo seu
julgamento, são patentemente falsas e portanto prejudiciais à sociedade? Por que direito deveria ela
abster-se de usar quaisquer meios
para atingir o alvo que julga correto?
Em outras palavras: consistência total equivale, na prática, ao fanatismo, enquanto a inconsistência é a
fonte da tolerância..."
O SS Bento 16 acredita que Deus
revelou à Igreja Católica e somente a
ela a verdade total das estrelas. Segue-se, por necessidade lógica, que
todos os homens, indivíduos ou
igrejas, que têm idéias diferentes das
suas, estão privados da verdade. O
que torna sem sentido os esforços
ecumênicos de aproximação entre
as igrejas. O ecumenismo é baseado
na crença de que Deus, jardineiro
supremo, planta muitos jardins diferentes... Mas quem só olha para as
estrelas não pode se deleitar na variedade dos jardins. A Igreja Católica, mãe e mestra de todos, nada tem a aprender.
Segue-se a conclusão ética: compete aos homens encarnar na Terra
a verdade eterna das estrelas. Aquilo
que deve ser feito é decidido não pela análise da situação qual o comportamento que traria o bem maior ao maior número de pessoas, mas pela
imitação da perfeição divina.
A Igreja tem horror à experiência.
Experiência é conhecimento que
cresce da terra como as plantas. E
ela contesta a verdade das estrelas.
Roger Bacon, precursor da ciência
moderna, por haver afirmado que o
conhecimento vem pela experiência, amargou 15 anos na prisão. E a
luneta de Galileu quase o levou à fogueira...
Assim, as difíceis questões que a
experiência moderna coloca, a
AIDS, a camisinha, o aborto, o divórcio, a inseminação artificial, o uso de
células-tronco, a ortotanasia, são como se não existissem. Indiferentes
ao sofrimento dos homens, as estrelas decretam: é pecado abortar um
feto sem cérebro, a despeito da inutilidade da gravidez e do sofrimento
dos pais... As estrelas brilham no
céu. Os homens sofrem na Terra.
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