São Paulo, quarta-feira, 19 de abril de 2006

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URBANIDADE

Tesouro africano

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Formada em história pela Universidade de São Paulo, Daniela Moureau conheceu a África pela primeira vez em 1995, quando tomou contato, durante um festival de cinema, com um grupo de homens e mulheres de uma tribo de nômades. Naquela época, sua atração pelo continente africano tinha menos a ver com projetos acadêmicos do que com o hobby que nutria pela tecelagem -mais precisamente, pela produção de tecidos por meio de técnicas artesanais. Chamava-lhe a atenção a forma como se faziam roupas nas tribos. "Aquelas estampas de tecidos são fantásticas."
Daquela despretensiosa viagem surgiu nela uma paixão pela África, para onde ela vai duas vezes por ano. A paixão ganhou forma num sobrado de dois andares em uma rua silenciosa e arborizada do bairro da Pompéia. Lá, existe uma biblioteca pública criada e mantida por Daniela. É um tesouro em São Paulo, pouco conhecido: são 3.000 títulos sobre a história e os costumes africanos, o que não se encontra, concentrado num único espaço, em nenhuma faculdade brasileira. Novos títulos, além de vídeos, são adquiridos mensalmente.
Em 2003, Daniela juntou-se aos professores Acácio Almeida Santos e Denise Dias Barros, cujo doutorado os tinha levado a percorrer tribos africanas, para fundar a Casa das Áfricas, onde está a biblioteca. "O brasileiro não conhece a África, só percebida como uma região violenta, exótica e atrasada. Não existe, aliás, uma África, são várias Áfricas, daí nosso nome", diz Daniela.
Aquela casa virou o centro de romaria de uma tribo quase invisível de São Paulo: a dos africanos que vivem na cidade, muitos deles alunos da USP, outros exilados políticos. Descobriram, naquele espaço, uma nova identidade: a identidade de africanos confrontados com discriminação ou estranheza da sociedade que os imagina todos iguais. E, muitas vezes, encara-os como suspeitos de alguma irregularidade, devido à disseminação do preconceito contra os nigerianos, alguns deles presos por tráfico de drogas. Para mostrar seus países, os freqüentadores do espaço estão planejando fazer, no próximo mês, uma semana cultural. "O que queremos é fazer essa ponte entre dois continentes tão próximos e, ao mesmo tempo, tão distantes culturalmente", propõe Daniela. Pelo menos naquela casa, com um tesouro escondido, em Pompéia, essa junção ocorreu.

@ - gdimen@uol.com.br


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