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Entrevista - Ivone Zeger
"Cônjuge usa a empresa para ocultar bens e evitar partilha"
Justiça pode determinar que patrimônio de uma empresa seja usado, em caso de separação, na divisão de bens do casal, afima advogada
NO ANO PASSADO, a advogada Ivone Zeger
propôs dar uma palestra numa dessas feiras de casamento. Estava disposta a
orientar casais sobre a escolha do modo
de união -com comunhão parcial/total ou separação
de bens, por exemplo. Foi rechaçada no ato. "Pelo
amor de Deus, não!", ouviu do interlocutor.
Especialista em direito de família, Zeger, 51, chegou
a uma conclusão: "Quando casa, ninguém quer saber
disso", afirma. "É preocupação com docinho, festa...
Sobre o mais importante, não se fala." Segundo ela, é
essencial saber, por exemplo, qual o regime mais
apropriado para a partilha de bens quando o casamento acaba. Mas o assunto, diz, é uma espécie de tabu.
DA REDAÇÃO
Nas suas palestras, Zeger
costuma abordar outro tema,
que afirma ser recorrente em
uniões civis: quando um dos
parceiros, disposto a não dividir com o outro cônjuge o patrimônio acumulado no casamento, passa a elencar bens em nome da empresa. "É um recurso
extremamente usado por empresários, homens ou mulheres, para camuflar ou dissimular o patrimônio", disse ela.
Para combater o problema, a
advogada defende o uso de um
recurso que, afirma, é crescente no Judiciário brasileiro: o
uso de bens da pessoa jurídica
para pagar, em caso de separação, obrigações da pessoa física.
Chamado de "desconsideração
inversa da personalidade jurídica", o fenômeno permite corrigir a distorção -ao transferir
parte do patrimônio da empresa para o cônjuge. Autora do livro "Como a Lei Resolve Questões de Família" (editora Mescla), Zeger falou à Folha no seu
escritório, em Higienópolis
(região central de SP). A seguir,
trechos da entrevista.
FOLHA - Como ocorre a ocultação
de patrimônio em empresas?
IVONE ZEGER - Muitos empresários passam para a empresa os
bens de alto valor. São imóveis,
jóias, quadros valiosíssimos.
Até para caracterizar que [o autor] não fez de má-fé, ele deixa
alguma coisa no nome dele, da
pessoa física. Aí, quando vai dividir, na partilha, diz à Justiça
que só tem um casebre.
FOLHA - E na Justiça, de que forma
o processo acontece?
IVONE - O juiz vai verificar
quais bens foram obtidos durante o período de convivência
a ponto de fazer retornar para a
pessoa física alguns bens (imóveis, por exemplo) ou fazer com
que esse cônjuge compense o
outro em dinheiro. O que não
pode é deixar o ex-companheiro completamente sem recursos em caso de separação. Se o
juiz entender que houve uso
abusivo da empresa neste tipo
de fato, ele pode notar a discrepância. Pode dizer: "Como o sr.
quer dar uma pensão de R$
1.000 se tem Jaguar, casa em
Campos do Jordão?"
FOLHA - É possível dizer que esse
fenômeno é crescente, tanto dos
empresários quanto das pessoas
que buscam a Justiça porque detectam que o parceiro colocou os bens
em nome da empresa?
IVONE - Sim, sim. Cada vez mais
pessoas percebem que o parceiro coloca tudo no nome da empresa a ponto de ingressarem
com demanda judicial. E esse
recurso [transferir bens para a
pessoa jurídica], velado, é extremamente usado por empresários, homens ou mulheres,
para camuflar ou dissimular o
patrimônio. Dizem "não tenho
nada, é tudo da empresa",
quando, na realidade, têm muitos automóveis, mora muito
bem. Às vezes o empresário
tem um pró-labore de R$ 1.000,
baixíssimo, mas condição de vida incompatível com esse valor.
FOLHA - O uso da "desconsideração inversa da personalidade jurídica" é recente?
IVONE - No direito de família, é
uma coisa relativamente nova
[é um recurso comumente usado em direito comercial], porque muitos empresários usam
a empresa para tirar patrimônio para que o cônjuge não possa ter acesso. A Justiça está fazendo com que esses bens retornem para a pessoa física e
sejam divididos com o ex-cônjuge.
FOLHA - Como essas empresas, ou
pessoas, utilizam esse expediente?
IVONE - Por meio, muitas vezes, de empresas de fachada,
que pagam impostos e não têm
movimentação. Normalmente
o cônjuge vai dizer: não tenho
nada, é tudo da empresa. As
empresas existem, vão de vento
em popa? Ótimo. A economia
agradece. Porém uma coisa é
uma empresa com finalidade
comerciais. A outra, usar com
finalidade de burlar.
FOLHA - Só empresas de fachada?
IVONE - Não. Você pode comprovar que a empresa é ativa e
verifica que ela existe, tem movimentação, e é anterior à
união estável, ao casamento,
mas que todos os bens que o casal conquistou foram imediatamente colocados na empresa.
FOLHA - Tirar recursos da empresa
não pode afetá-la?
IVONE - Você não precisa acabar com a empresa para fazer
uma divisão. Afinal de contas,
há maneiras de, em dinheiro,
compensar. Em ações, por
meio de alguma participação
na empresa.
FOLHA - As pessoas conhecem seus
direitos?
IVONE - Sabe essas feiras de casamento? Essas que têm docinho, flor, têm vestido... Enfim,
uma vez, falei [para um dos organizadores de um desses
eventos]: "Puxa, por que não
pôr uma palestra para as pessoas irem lá, saberem qual o regime de casamento, o que acontece com a dívida, o que ganha,
o que perde. Sabe qual foi a resposta? "Pelo amor de Deus,
não!". Quando casa, ninguém
quer saber. É só o docinho, a
festinha, o padre...
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