São Paulo, domingo, 19 de maio de 2002

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DEPOIMENTO

Colete atrai lanche de graça e provoca medo de ser alvo

DA REPORTAGEM LOCAL

O sol faz a pele arder, enquanto o colete à prova de bala aperta o meu peito. Falaram que era do meu tamanho -imagino se não fosse. Faz muito calor.
Enfim chegamos ao ponto de bloqueio. São 14h. Foram 50 minutos no trânsito seguindo um comboio da Rota. A rua é movimentada, rodeada por morros e casas semi-acabadas. Como aperta e esquenta este diabo de colete.
Eu e o tenente Morishita não almoçamos. Depois da instrução, eu o entrevistei e perdemos a refeição. Meu estômago dói. Tem uma barraca de lanche na rua. "Tia, por favor, vê um cachorro-quente. A senhora troca dez?" "Imagina, meu filho, leva que eu ainda vou te dar um refrigerante. "Era efeito do colete, com o símbolo da PM no peito.
Não tem jeito, digo que sou jornalista, mas ela não quer receber. Deixo um passe de metrô.
Os PMs caminham para a favela. Já vi muitas, mas não com este colete. Vejo as casas de perto. Pessoas me olhando. Os policiais parando jovens. As armas, as mulheres, as crianças, os rapazes. Cadê o bandido? É tudo igual.
O tenente segue à frente de seus três homens. Eu e o fotógrafo atrás, pelas vielas estreitas.
Um garoto lê a Bíblia. Ouço um rap dos Racionais, sobre a Rota no Carandiru. Cheira a esgoto. Fiquei para trás na escalada.
Um PM grita: "Vamos embora, é perigoso". Olho para cima. São vários esconderijos possíveis. Só aí me ligo: o colete que me aperta o peito também me transforma em alvo. (ALESSANDRO SILVA)


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