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URBANIDADE
A menina do largo do Arouche
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
O francês Roger Henri
vestia o terno, colocava
a gravata, ajeitava o lenço no
bolso do paletó e levava, nos domingos, sua filha Marie para
passear pelas praças do centro
da cidade. Uma daquelas paisagens, de tão familiar e íntima,
era como se fosse a extensão da
casa deles: o largo do Arouche,
com suas bancas de flores.
Para não perder a intimidade
com essa paisagem, Marie deu,
há 17 anos, uma reviravolta em
seu projeto de vida. Ela tinha estudado administração de empresas, com especialização em
recursos humanos, depois fez
uma pós-graduação em filosofia
da educação. Pouco a ver com o
negócio de seus pais, o restaurante La Casserole, que, para os
paulistanos, é uma espécie de extensão do largo do Arouche, tão
integrante da paisagem como a
banca de flores.
Um dia, o pai lhe perguntou:
"Você vai assumir o restaurante?". O primeiro reflexo foi o de
dizer "não", lembra-se Marie.
Roger disse-lhe, então, que estava cansado e que iria vender seu
negócio, quem sabe ajudasse
seus fiéis garçons a formarem
uma cooperativa para substituí-lo. "Não consegui conviver com
a idéia de que iria passar por ali
e me sentir uma estranha."
Como cresceu ouvindo em casa segredos de receitas culinárias
francesas, Marie topou. Mas o
largo do Arouche, acompanhando o movimento do centro, perdeu charme e entrou em processo de degradação, de abandono.
"Uma tristeza", lamenta. O
crack e os mendigos espalhavam-se pela região.
Tradicionais restaurantes mudaram-se, com suas clientelas,
para os Jardins. "Não sabia se
conseguiríamos sobreviver. Até
pensamos em fechar, mas nunca
fizemos nada para isso." Resistiram e mantiveram uma parte da
freguesia.
Valeu a pena resistir. Ao completar agora 50 anos, o La Casserole não apenas assiste à recuperação do centro -e, com ela, à
chegada de novos comensais-
mas, especialmente, aposta no
projeto de melhorias do largo do
Arouche. Uma empresa se dispôs
a reurbanizar a área, consertando piso, cuidando dos jardins,
trocando a iluminação, reformando a banca de flores -toques que vão devolver as imagens da elegância perdida de São
Paulo, mantida na memória de
Marie graças às lembranças de
crianças pedalando bicicletas
-mas, sobretudo, ao impecável
terno de seu pai.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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