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MOACYR SCLIAR
Cara de velho, cabeça de velho
Só havia uma coisa a fazer: arranjar cara de velho (velho, para ele, era qualquer um com mais de 20 anos). Mas como?
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Rugas podem ser decisivas para comprar cigarro no Japão. Máquinas que vendem cigarros no Japão podem começar em
breve a contar as rugas para verificar se quem está comprando tem idade suficiente para fumar. A idade legal para fumantes no Japão é de 20 anos.
Folha Online
QUANDO FICOU SABENDO que
as máquinas de vender cigarros seriam equipadas com
um dispositivo capaz de avaliar a
idade do comprador pelas rugas de
seu rosto, ficou irritado e preocupado. Irritado porque, apesar de ter
apenas 13 anos, era um fumante inveterado, consumindo pelo menos
uma carteira por dia, e não admitia
que alguém tentasse impedi-lo de
fazer isso. Várias vezes a mãe, viúva
(o pai falecera quando ele era ainda
criança), pedira que o filho deixasse
de fumar; ele sempre respondia com
impropérios. "Sou dono do meu nariz", gritava. "Pouco me importa se o
fumo faz mal ou não, eu quero fumar
e vou continuar fumando."
O problema, portanto, não era a
mãe. O problema era a máquina.
Com a mãe podia gritar, a mãe podia
ser intimidada; a máquina não. Se a
implacável lente mirando seu rosto
transmitisse para o computador
uma imagem incompatível com o
rosto de um adulto, ele estaria simplesmente ferrado. A máquina era o
lugar onde sempre comprava, porque em outros lugares jamais lhe
venderiam o produto.
Só havia uma coisa a fazer: arranjar cara de velho (velho, para ele, era
qualquer pessoa com mais de 20
anos). Mas de que maneira?
Menino inteligente, várias possibilidades lhe ocorreram. A primeira:
usar, diante da máquina, uma máscara de velho, dessas que são vendidas em lojas de disfarces. Mas isso
seria um problema. Se, diante da
máquina, colocasse a máscara, não
faltaria alguém para denunciar a
fraude aos responsáveis, o que seria
no mínimo um aborrecimento.
Outra possibilidade: maquiagem.
Tinha uma vizinha que era maquiadora profissional, poderia lhe pedir
que o transformasse num ancião, ou
pelo menos num adulto capaz de
comprar cigarros. Mas isso exigiria
que a procurasse periodicamente. A
moça acabaria cansando dessa história. Além disso, a idéia de andar
maquiado pela rua não lhe agradava.
Só restava uma alternativa: ficar
mesmo com cara de velho. Sabia que
rugas aparecem com o tempo, com
as preocupações, com o sofrimento.
Mas poderia acelerar esse processo,
mediante esforço pessoal. E foi o
que fez: todos os dias ficava na frente
do espelho, franzindo a testa, contraindo a face, tudo para produzir
rugas. E rugas começaram mesmo a
surgir, ou pelo menos assim ele o
achava.
Mas ao mesmo tempo uma estranha mudança começou a ocorrer.
Ele agora se sentia velho, olhava o
mundo com olhos de velho, e de velho rabugento. Já não podia suportar garotos barulhentos, garotos desaforados, garotos que não respeitavam pessoas de idade.
A todo instante repreendia seus
amigos, para espanto deles -e para
espanto dele próprio. Meu Deus,
pensava, não é que as rugas estão
mesmo me envelhecendo?
Só havia uma solução: parar de fumar. Foi o que fez. As rugas sumiram. Uma tossezinha seca que o incomodava sumiu. Não briga mais
com a mãe. E aguarda com tranqüilidade o dia em que se transformará
num velho, enrugado, mas contente
consigo próprio.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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