São Paulo, Quarta-feira, 19 de Maio de 1999
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HC suspende atendimento diferenciado

AURELIANO BIANCARELLI
da Reportagem Local

O Instituto do Coração -e todos os institutos do Hospital das Clínicas de São Paulo- não poderá mais oferecer atendimento diferenciado para pacientes SUS e pacientes particulares e de convênios. As filas serão as mesmas, as esperas serão iguais, os leitos não poderão ser separados e o conforto de cadeiras não será diferente.
O fim da chamada "segunda porta" ou "dupla entrada" do HC faz parte de um acordo concluído ontem entre o Ministério Público e a direção do hospital. A superintendência do HC apresentará na próxima semana uma proposta do cronograma de ajustamento. Alguns acertos terão de ser feitos imediatamente. Outros, ao longo de seis meses. Num período máximo de 180 dias, nenhum atendimento poderá ser diferenciado.
O modelo de "dupla entrada", que foi inaugurado pelo Incor ainda no final dos anos 70, sempre dividiu as opiniões. Seu fim pode parecer um ponto para a democratização do atendimento à Saúde, como determina a Constituição.
Na prática, no caso do Hospital das Clínicas, pode significar o fim de recursos extras, que no ano passado chegaram a R$ 80 milhões. No mesmo ano, a entrada de dinheiro pelo SUS somou R$ 100 milhões, segundo dados do HC.
No Incor, os recursos de convênios significavam 57%, contra os 43% do SUS. O fechamento dessa porta "pode inviabilizar o Incor como instituição", disse José D'Elia Filho, que assumiu a superintendência do HC há seis semanas.
A tendência é que, tendo que se submeter às mesmas filas, os pacientes privados e conveniados troquem a "qualidade do HC e do Incor" pela rapidez de qualquer outro hospital privado. "Por melhor que seja nosso atendimento, o paciente tem uma preocupação com a hotelaria e o tempo de espera que certamente vai afastá-lo daqui e colocará em risco nossas verbas suplementares", diz D'Elia.
A decisão do Ministério Público, que em princípio beneficiaria o paciente SUS, vai acabar por prejudicá-lo, diz o superintendente. "Os recursos extras eram destinados a equipamentos e complementação de salários. Sem eles, vamos ter uma evasão de profissionais."
O pedido de instauração de um inquérito civil sobre o atendimento privado dado pelo HC foi feito ainda em dezembro de 1997 pelo deputado Jamil Murad (PC do B). O inquérito vem sendo presidido pelo promotor Vidal Serrano Nunes Junior, do Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor, criado em fevereiro passado pelo Ministério Público.
A polêmica sobre a combinação público-privado na Saúde aumentou em 1997 quando a superintendência do HC anunciou que abriria suas portas para pacientes particulares.
Definiu-se que a parcela de atendimento privado não passaria dos 15%, o que já acontecia com o Incor. "Hoje, no conjunto do HC, o número de pacientes privados representa apenas 4%, embora em recursos some R$ 80 milhões", diz D"Elia.
Adib Jatene, professor titular da Faculdade de Medicina da USP e diretor-geral do Incor, tem afirmado que os novos recursos permitem "manter e ampliar o atendimento para quem depende do serviço público". "O modelo adotado por nós transformou o instituto, então praticamente inviabilizado, num dos mais importantes centros de cardiologia do mundo."
Em outro extremo se encontra o ex-secretário e ex-deputado José Aristodemo Pinotti, também titular da Medicina da USP. "A segunda porta fere os princípios de um hospital público de referência e como decisão financeira não está dando resultado", afirma.
Segundo seus cálculos, se aproveitasse os "espaços ociosos do hospital e o tempo ocioso dos seus profissionais", o HC poderia atender 50% mais de pacientes SUS. "Com apenas 10% a mais de atendimento público, o hospital receberia mais do que pagam os particulares."
Para racionalizar o atendimento, o hospital instalou um sistema de marcação de consulta por telefone. As consultas só são agendadas para a semana seguinte, desde que o paciente consiga estar entre os primeiros a telefonar.
As filas de espera desapareceram, "mas a demanda reprimida é enorme", diz Pinotti. "Passei um ano telefonando várias vezes por semana", disse Ester Vieira de Carvalho, 40.
Ontem pela manhã, o Incor estava marcando exames de particulares para os dias seguintes. Enquanto estes aguardavam em poltronas estofadas, os pacientes do SUS esperavam em cadeiras de plástico.


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