São Paulo, domingo, 19 de julho de 2009

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GILBERTO DIMENSTEIN

Melhor viver do que morrer com câncer


Querer ver os bisnetos nascer revela um dos valores que mantêm a garra de José Alencar, apesar das cirurgias

BRIGANDO com o câncer há 12 anos, o vice-presidente José Alencar pediu, na semana passada, que o segurassem por mais tempo porque não queria perder o nascimento de seus bisnetos. Ainda teve disposição para uma brincadeira. Os médicos lhe perguntaram se ele queria ir ao batizado. "Não. Quero ir à formatura", respondeu.
Querer ver os bisnetos nascer revela, em essência, um dos valores que mantêm a garra de Alencar, apesar de tantas e tão dolorosas cirurgias. Sem saber, ele está comprovando uma experiência desenvolvida em hospitais de Nova York, onde se ensina pessoas a descobrir por que, mesmo com tanto risco de morte, valeria a pena aprender a viver.

 

Reportagem publicada na semana passada pelo jornal "The Wall Street Journal" relatou a experiência de uma terapia aplicada em pacientes com câncer avançado, baseada no livro "Em Busca do Sentido", escrito pela psiquiatra austríaco Viktor Frankl. O psiquiatra passou pelo campo de concentração, onde aproveitou para investigar como reagem as pessoas diante de sofrimentos extremos era, portanto, um misto de cientista e cobaia.
Conclusão: é mais fácil suportar as dores quando a vida faz sentido.
A experiência realizada em Nova York mostrou que o grupo de doentes submetido a sessões de busca de significado demonstrou, na média, menos ansiedade, redução da vontade de morrer e, portanto, menor incômodo espiritual.
 

Enquanto mergulhavam na vivência de Frankl nos campos de concentração, os pacientes deveriam refletir sobre o que vale a pena e dá prazer, como andar de bicicleta, caminhar pelo parque à tarde, ouvir um concerto ou admirar o pôr do sol.
Passaram, então, a se encarar não como pessoas que estão morrendo com câncer. Mas vivendo com câncer e, a cada dia, descobrindo novos significados.
Uma mulher, segundo o jornal americano, escreveu um livro sobre os sons de Nova York; outra, enfim, viajou para a Itália, apesar da quimioterapia. Um deles falou: "Vi que não precisava trabalhar tão duro para descobrir o significado da vida.
Estava ao alcance da mão em qualquer momento que eu o olhasse".
Será que precisamos estar prestes a morrer para refletir sobre o que é essencial? Talvez aí esteja uma das grandes falhas do sistema educacional, baseado em resultados.
 

Educa-se para o fazer e não para o ser. Pior, educa-se para o sucesso, que, como todos sabemos, é superficial e passageiro. Não se educa para que cada um ache seu significado na vida, seja ele qual for o que implica várias medidas de sucesso. Por que alguém que é ótimo amigo, usufruindo do prazer da convivência, não pode ser uma medida de sucesso?
Vivemos o culto exacerbado da celebridade. Qualquer bobagem dita por uma celebridade, por mais superficial, ganha repercussão. Basta ver a imensa curiosidade sobre as trocas de estrelas entre SBT e Record ou o espaço obtido pelas entrevistas de modelos ou de atrizes e autores que não têm nenhuma história interessante para contar.
Nós, dos meios de comunicação, temos uma boa responsabilidade nisso, estamos cada vez mais reféns dos famosos, acompanhando vidas privadas como se fossem públicas e, não raro, vidas públicas como se fossem privadas.
Quem convive na intimidade com muitas celebridades sabe que, em sua maioria, são chatas, neuróticas, pilotadas pela vaidade e pelo sucesso e quase sem nada interessante para contar, acordam e dormem só pensando nos aplausos. Sem o sucesso, não são nada; Romário, preso na semana passada, por não pagar a pensão, é apenas patético.
O culto à celebridade fez com que um Lula já nem se incomodasse cada vez menos com o que fala, afinal, o que conta é o sucesso, como se garantisse impunidade. Na semana passada, ele elogiou Fernando Collor e, mais uma vez, sustentou as trambicagens do Senado. Tempos atrás, atacou a oposição no Irã.
 

Nada mostra melhor o culto à celebridade do que Michael Jackson -até seu funeral virou um show. Pelo jeito como morreu, sabemos que ele nem remotamente refletiu sobre o sentido de sua existência e não aprendeu a se preservar e, pior, é apresentado como modelo de sucesso a ser perseguido.
 

Quem sabe a obrigatoriedade do ensino de filosofia nas escolas não seja um gancho para se discutir por que vale a pena viver.
 

PS - Quem quiser conhecer melhor a obra do psiquiatra Viktor Frankl, acesse meu site (www.dimenstein.com.br). Seu livro é daquelas obras que ninguém deveria passar a vida sem ler.

gdimen@uol.com.br


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