São Paulo, sábado, 20 de março de 2004

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LETRAS JURÍDICAS

A guerra que não tem fim

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

A concepção mais comum do terrorismo distingue seus autores de suas vítimas. Quanto a estas, acentua o estado de medo, angústia ou sofrimento ante a efetivação de danos pessoais por atos de ataque ou destruição destinados a alterar a ordem vigente e até pela simples ameaça de alteração. Do ponto de vista do agente, a tendência geral, inclusive a da mídia, é caracterizar como terroristas grupos que se unem com finalidades políticas e eventualmente religiosas para ataques contra pessoas ou bens, públicos ou privados, em destruição indiscriminada e cruel. O ETA, a Al Qaeda e o IRA são organizações lembráveis, que governos insistem em referir, aumentando o prestígio delas.
Essa visão é incompleta, pois exclui o terrorismo do Estado, menos perceptível porque desenvolvido em segredo ou porque anunciado como parte de ações nacionais dentro e fora de seu território, coberto pela força da propaganda. A diferença entre os dois tipos surgiu clara durante a semana na ampliação da distância entre a Europa (que quer o respeito às liberdade públicas e ao Direito) e os Estados Unidos (que negam eficiência à atitude conciliatória), que defendem a militarização do combate antiterrorista.
O terrorismo do Estado une forças policiais, militares ou de agências de inteligência, matando, provocando acidentes, assaltando cidadãos ou pessoas, para derrubar governos, dominar espaços ou mesmo gerar o medo pelo próprio medo. Uma parte da doutrina Bush afirma o direito unilateral de medidas preventivas com o uso da força contra ameaças de ataques de onde quer que surjam. O presidente da Comissão Européia, Romano Prodi, sintetizou a posição contrária: "O uso da força não é a solução".
Em termos de Direito, a ação unilateral de qualquer país para ingressar em território estrangeiro é reprovada pela Carta da ONU e por tratados internacionais. Foi o que aconteceu no Iraque, na invasão por motivo falso. Quando a Carta é ofendida, tratados e convenções são substituídos pela força e pela agressão. Formas mais graves são as que não observam a prévia autorização do Conselho de Segurança ou desrespeitam as normas que este venha a editar. Para manter a dominação, instala-se uma espécie de terrorismo oficial que não respeita o Estado de Direito, gerando mais mortes e violência de todos os lados.
A legítima defesa é, porém, assegurada pela Carta da ONU no caso de ataque armado contra membro das Nações Unidas. A comunicação de ações projetadas para essa finalidade ao Conselho de Segurança é obrigatória. Por isso a deliberação espanhola de retirar suas tropas se a ONU não assumir o controle iraquiano respeita o direito internacional.
Governos e organizações terroristas se acusam mutuamente, atribuindo a culpa dos ataques a atos do outro lado. À medida que os confrontos se tornam mais violentos, a possibilidade de composição dos contrários diminui. Agrava o horror do terrorismo que mata inocentes. É uma forma nova de guerra para a qual Von Clausewitz, o maior estudioso dos conflitos armados, não achou solução adequada, a não ser a do entendimento. Napoleão Bonaparte, que entendia de guerras, disse bem: quem construir um trono de baionetas não se sentará nele. Violência atrai violência.



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