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JUSTIÇA
É preciso buscar informações para saber se profissional é ou não idôneo; falta de boa formação acadêmica piora o problema
Desinformação ajuda a disseminar os maus advogados
KIYOMORI MORI
DA REVISTA
Os adesivos são comuns nos vidros dos carros: "Consulte um advogado. Você tem direitos" ou
"Sem advogado não há Justiça".
Mas para uma parcela da população o tiro pode sair pela culatra, e
o profissional contratado para resolver uma questão legal acaba
criando problemas maiores.
A experiência do brasiliense
Luiz Gustavo Nominato, 16, por
exemplo, é daquelas para nunca
mais esquecer. O pai dele morreu
quando ele tinha dois anos, deixando bens estimados em US$ 30
milhões. Como o garoto era menor, a Vara de Órfãos e Sucessões
do Distrito Federal nomeou dois
advogados para administrar o espólio. Foram arrestados R$ 400
mil do patrimônio para o pagamento de dívidas.
"Levaram todo nosso dinheiro e
até as jóias do pai dele", diz a mãe,
Miramar Rocha, 44, que depôs sobre o caso na CPI do Judiciário no
ano passado. Da mansão no Lago
Norte (área nobre de Brasília) onde morava, a família teve de se
mudar para uma casa alugada em
um bairro de classe média.
Preocupada com a imagem da
categoria, em 1994, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil)
transformou sua comissão de ética em um tribunal de ética, no
qual voluntários integrantes da
ordem julgam as queixas apresentadas contra os profissionais.
Em 1998, a instituição lançou a
Campanha de Ética na Advocacia,
que ficou permanente.
As campeãs de reclamação do
tribunal são as causas que envolvem malversação de dinheiro ou
falta de prestação de contas. No
ano passado, a seção paulista recebeu 7.167 queixas. Com a soma
dos processos remanescentes de
anos anteriores, o total de processos chegava a 15.236 em março de
2000, equivalente a quase 10% do
universo de 170 mil profissionais
estimado para o Estado.
Em segundo lugar no ranking
vem a acusação de imperícia,
quando o cliente se sente prejudicado por atuação ineficiente do
advogado. Em terceiro ficam os
processos apresentados pelos
próprios pares.
Uma minoria de casos termina
em punição. As quatro penas previstas são a advertência, uma espécie de "pito" verbal, sem registro nem estatísticas; a censura,
uma advertência formal, que passa a constar do prontuário do profissional, mas não é tornada pública; a suspensão, que impede a
prática da profissão por período
de três meses a um ano, e a exclusão ou cassação do registro.
A pena máxima é rara -dois
ou três casos por ano- e só atinge os profissionais que foram
condenados por crimes como homicídio, fraudes e envolvimento
com o narcotráfico.
"Não há corporativismo no
nosso meio. Nós punimos rigorosamente todos os profissionais
que se envolvem em situações que
ponham em risco a probidade necessária ao exercício da advocacia", afirma Rubens Approbato
Machado, presidente do Conselho Federal da OAB.
Mas nem sempre a punição espelha a gravidade do problema. O
advogado trabalhista José Carlos
de Moura Bonfim, por exemplo,
se tornou habitué do Fórum de
Cubatão. Desde 1997, Bonfim foi
condenado em três processos e
deve cumprir seis anos e quatro
meses de reclusão por apropriação indébita de dinheiro de clientes (a última condenação foi em
fevereiro do ano passado). Em nenhuma delas cabe recurso -é o
chamado "trânsito em julgado".
O mandado de prisão está expedido, e ele é um foragido da Justiça. Mesmo assim, foi condenado
pelo Tribunal de Ética da OAB só
em maio deste ano e a uma pena
mínima -30 dias de suspensão.
Segundo o Tribunal de Ética,
um terço das queixas apresentadas é arquivado de cara, porque o
cliente não tem como comprovar
suas denúncias. Na maior parte
dos casos, os acertos são feitos informalmente, sem contrato, e fica
a palavra de um contra o outro.
O resultado da imperícia reflete
também no balcão do fórum. Em
2000, 43% dos processos que entraram na Justiça do Trabalho foram "extintos sem julgamento do
mérito", o que significa que continham prováveis imprecisões técnicas, como indicar o réu errado
ou fazer um pedido impossível.
A falta de formação sólida fica
evidente no exame de admissão
da OAB, que funciona como uma
peneira. Dos 11.220 paulistas que
o prestaram em abril do ano passado, 52,8% foram aprovados.
No provão, os resultados foram
piores. A nota média obtida pelos
46.420 formandos que fizeram a
prova nos 257 cursos espalhados
pelo país foi 39,2 (de 0 a 100). Apenas 4,3% das universidades privadas receberam conceito "A".
Para evitar que o cliente pague o
"pato", a OAB estuda instalar
uma espécie de "seguro" contra
erros, nos mesmos moldes do que
existe em alguns Estados dos Estados Unidos. Se o cliente perder
dinheiro por culpa do advogado,
basta acionar o seguro. No Oregon, a Associação de Advogados
transformou o seguro em obrigatório. Aqui, pode ser facultativo.
Para João Maurício Adeodato,
da Universidade Federal de Pernambuco, o problema da advocacia brasileira é uma certa falta de
prática. "A advocacia brasileira é
jovem, nasceu com a democratização. No regime militar, a profissão era cerceada, não podia ser
exercida em sua plenitude."
Se a advocacia é "jovem", o ensino da ética é ainda mais novo.
Na faculdade de direito da USP,
uma das mais tradicionais do
país, a disciplina ética profissional
somente começou a ser ministrada no ano passado. O aprendizado, porém, depende mesmo é do
aluno. "Ética não se aprende na
escola, é questão de caráter, de família", diz Adeodato.
Leia a reportagem no site
www.uol.com.br/revista
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