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ARTIGO
Toque e arremetida
IVAN SANT'ANNA
ESPECIAL PARA A FOLHA
As autoridades aeronáuticas
divulgaram imagens, colhidas
na terça-feira, do circuito interno de televisão do aeroporto de
Congonhas. Elas mostram duas
aeronaves A320, da TAM, se
movimentando pela pista na
mesma direção. Uma delas percorre o trecho coberto pela câmera em 12 segundos. A outra,
em apenas três. Esta última era
o fatídico vôo JJ-3054. Essa diferença é apontada como sinal
de que o 3054 ia rápido demais.
Diagnóstico errado!
A aeronave "lenta" estava
pousando. A outra, arremetendo. Ou seja, o piloto da primeira
fazia todos os esforços para parar, enquanto o comandante do
3054 lutava para adquirir sustentação e voltar a voar.
Desde as primeiras aulas de
vôo, nos aeroclubes, os pilotos
aprendem uma manobra chamada "toque e arremetida".
Pousa-se, acelera-se e decola-se de novo. No início, é estressante. O aluno acaba de aterrissar e o instrutor grita: - Arremete! - Nesse instante, é preciso levar as manetes (os aceleradores) à frente e decolar antes que a pista acabe. Com o
tempo, vira rotina.
Os passageiros mais voados
costumam passar pela experiência de uma arremetida
duas ou três vezes na vida. Já os
pilotos de jatos comerciais fazem isso centenas de vezes, nos
simuladores de vôo. Portanto
estão aptos para isso. Já sabem,
de cor e salteado, as providências necessárias para abortar
um pouso e reiniciar o vôo.
O que interessa descobrir, no
caso do JJ-3054, são as razões
que levaram o comandante Di
Sacco a arremeter o Airbus. E,
principalmente, por que motivo essa arremetida não deu certo, fazendo com que a aeronave
guinasse para a esquerda, ultrapassasse o limite do campo e,
sem ganhar a sustentação necessária para voar, saltasse sobre a avenida e se chocasse contra o prédio do outro lado.
Na cauda do A320 havia duas
caixas-pretas, recuperadas pelas equipes de investigação.
Uma delas, o CVR (Cockpit
Voice Recorder), grava as conversas travadas na cabine de
comando nos 30 minutos que
antecederam o desastre. A outra, o FDR (Flight Data Recorder), registra os procedimentos
adotados pelos pilotos no vôo.
Neste momento, nos Estados
Unidos, um perito já deve estar
se debruçando sobre os dados
dessas caixas-pretas. Ele irá
descobrir, sem dificuldades, o
que aconteceu nos momentos
que antecederam o desastre. O
avião pode ter aquaplanado (na
pista novinha, lisa feito um sabonete, inaugurada e posta em
funcionamento sem as ranhuras), pode ter chegado ao solo
com velocidade excessiva, algum equipamento (um reverso,
por exemplo) pode ter falhado
ou algum instrumento pode ter
apresentado uma leitura errada. São diversas as hipóteses.
A segunda resposta (porque
o A320 não atingiu a velocidade
necessária para decolar) também está gravada nas caixas-pretas. Hesitação, ausência de
um procedimento (recolher os
freios aerodinâmicos, por
exemplo), um comando errado.
Tudo está lá e vai aparecer. E
entrará para os manuais da
aviação, será ensinado nas escolas de vôo.
Entre todas essas especulações, uma conclusão já pode ser
tirada: os pilotos do JJ-3054
estavam no pior dos mundos:
muito rápidos para pousar,
muito lentos para arremeter.
IVAN SANT'ANNA, piloto, escritor, autor dos livros "Caixa-preta" e "Plano de ataque"
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